segunda-feira, 4 de novembro de 2019


Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac, cujo nome é já um verso alexandrino, nasceu no Rio de Janeiro aos 16 de dezembro de 1865, e ali faleceu no dia 28 de dezembro de 1918 (só 53 anos, portanto). Aos 23 anos publicou seu primeiro livro, Poesias. Entre os mais conhecidos figuram “O Caçador de Esmeraldas” e o nosso hino à bandeira — Salve lindo pendão da esperança!
Salve símbolo augusto da paz! etc. Um sonete dele bastante conhecido e apreciado é o "OUVI ESTRELAS, que abaixo vai; 


 OUVIR ESTRELAS

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo,
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite,
enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e e de entender estrelas".
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segunda-feira, 26 de agosto de 2019


REDUÇÃO DA IDADE PENAL NO BRASIL: DE 18 PARA 16 ANOS (3ª ed., 2019)

A título de Introdução cumpre dizer que a matéria deste trabalho, largamente discutida no Brasil sobretudo no primeiro semestre de 2015, tem pelo menos dois aspectos principais: (a) se convém mudar o dito no artigo 228 da Constituição Federal de 1988; (b) se essa alteração constitucional tem validade jurídica. O objeto deste artigo nosso diz muito mais com o dito aspecto (b) — se é juridicamente possível essa mudança diante do artigo 5º da Constituição.
Sendo isso possível, (A) há quem defenda a inconveniência da mudança, e (B) os que sustentam o contrário: não deve haver qualquer alteração, a responsabilidade penal tem que começar quando a pessoa completar 18 anos. Alguns desses argumentos são seguintes, que abaixo vão.
(A) Isto não convém por o menor de 18 anos não se intimidar com a punição penal[1]; esses menores carecem de capacidade plena para distinguir claramente entre lícito e ilícito penal; porque a prisão só vai deseducar esses menores, com a desvantagem de o contato deles com os maiores dentro dos presídios os tornar mais perigosos.
(B) Isto convém sim porque a maioria das pessoa prefere viver livremente, sem ter como casa o intenso sofrimento de uma cela carcerária; quem completou 16 anos é adolescente e não criança: com 16 anos já pode até votar — artigo 14, § 1º, inciso, II, alínea c) da Constituição Federal —, de modo que pessoa com 16 anos de idade sabe a distinção entre candidato bom e candidato ruim;  o adolescente de 16 anos ser condenado, note-se, é diferente de ele cumprir a pena junto com os maiores de 18 —  podem conviver com os de sua mesma idade, mas separados dos mais velhos.
Pontes de Miranda, matemático que era, aplicou a lógica simbólica ao Direito na sua obra Tratado das ações. Sete tomos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970-1978. As ações de direito material classificam-se por sua carga de eficácia; reúnem-se em cinco classes, e cada qual tem algum grau de todas as demais: (1) declaratória (positiva, ou negativa), (2) constitutiva (positiva, ou negativa), (3) condenatória, (4) executiva e (5) mandamental (positiva, ou negativa). Ora, a possível condenação do menor de 16 anos (ação condenatória) não implica em cumprimento da pena imposta junto com os condenados de mais idade. Assim é também pelo fato de o cumprimento da pena ser o próprio objeto de outra ação proposta pelo Estado — cuida-se de uma ação executiva.
Seja como for, para muitos se trata de uma questão difícil de ser elucidada. Jornalista respeitado, membro da ABL (Ferreira Gullar) pensa deste modo[2]. Cumpre dizer-se a esse respeito ser possível alterar o conteúdo do artigo 228 da Constituição, com uma vantagem: pode estabelecer-se, na própria mudança, que a vigência do texto é por cinco anos; passados estes, o Congresso nacional pode revogar a dita alteração, e promover um plebiscito para se saber o mais aprovado pelo Povo brasileiro (Constituição Federal de 1988, artigo 14, inc. I). Realiza-se com isso, vantajosamente, a experimentação, o terceiro passo do método científico (método indutivo experimental)[3].  
Ora bem, a outra questão — (b) se é juridicamente possível essa mudança diante do artigo 5º da Constituição — vem a ser o cerne do presente trabalho.
Nossa opinião é que sim, pode ser reduzido o início da capacidade penal, de 18 para 16 anos. Diremos abaixo não estar contida no artigo 5º matéria regrada no artigo 228 da Constituição Federal de 1988. desenvolveremos esta ideia no item I. No item II falaremos mais taxativamente sobre essa possibilidade trazendo à balha os argumentos contrários do procurador geral de Santa Catarina, ao modo como os defendeu em trabalho publicado. No item III acha-se a continuação desses argumentos com a nossa resposta dada caso a caso. Por fim no item IV serão expostas as conclusões deste estudo.
ISão inalteráveis por Emenda somente as matérias regradas no artigo 5º da Constituição Federal de 1988
Consta da Constituição Federal de 1988 o seguinte (o que nos pareceu digno de atenção especial nós o pusemos em letra itálica):
     Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:
Artigo 228: São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.
                                                    
Entendeu-se no Supremo Tribunal Federal que também os direitos sociais não se podem alterar por Emenda (artigo 6º). Em sendo assim, se sobrevier nova regra jurídica constitucional segundo a qual o salário mínimo não precisa de cobrir o lazer com aplicação com correção monetária, será ela uma regra jurídica inconstitucional. Também se ficar estabelecido que a multa a ser aplicada ao empregador, por despedir sem justa causa o empregado, será calculada em percentuais do salário mínimo. Seria nula também a alteração da norma constitucional segundo a qual o 13º salário do empregado aposentado passasse a ser só de 90% do valor da sua aposentadoria.
Se assim fosse, seriam imodificáveis por emenda, em nada se poderia alterar todo o respeitante a educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.
Haveria de ser algo assim como um desatino.                                                         
II — É constitucionalmente possível, com Emenda, baixar para 16 anos a responsabilidade penal
Discutimos agora os argumentos trazidos a lume pelo então procurador geral de justiça do Estado de Santa Catarina (Gercino Gerson Gomes Neto) no seu trabalho A inimputabilidade penal como cláusula pétrea” [4].
Cumpre assinalar de início ser tecnicamente imprópria a expressão “cláusula pétrea”, pois cláusula é proposição ou conjunto de proposições em que os figurantes de negócio jurídico, ou de ato jurídico "stricto sensu", fixam as suas posições nele assumidas — vantagens e desvantagens asseguração pelo Direito (o Direito é um dos sete mais importantes processos sociais de adaptação). Não se trata jamais, pois, na cláusula de questão fática (parte de suporte fático sobre que vai incidir regra jurídica), não se cuida nunca de norma de direito. Ora bem, as normas de uma constituição são regras susceptíveis de incidir; não são elas qualquer suporte fático.  
Vamos, pois, a alguns argumentos do ilustre procurador de justiça do Estado de Santa Catarina — dr. Gercino Gerson Gomes Neto.
          “O parágrafo 2o do artigo 5o diz que são direitos e garantias individuais as normas dispersas pelo texto constitucional, não apenas as elencadas no dispositivo mencionado”. [...] Diz o parágrafo 2o do artigo 5o: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte" [...] Assim, este parágrafo nos traz duas certezas.

Resposta nossa: o fato de não estarem incluídos é diferente de aí colocarmos as questões de lege ferenda que estimaríamos estarem lá em forma de regra jurídica constitucional. Falta na Constituição Federal de 1988 todo e qualquer princípio segundo o qual a responsabilidade penal esteja proibida de baixar de 18 para 16 anos. Nem existe tratado (negócio jurídico de Direito das Gentes ou direito supraestatal) por força do qual ao Brasil seja vedado baixar essa idade de responsabilidade penal.

[...] a própria Constituição Federal admite que encerra em seu corpo, direitos e garantias individuais, e que o rol do artigo 5o não é exaustivo. 

Resposta nossa: para se dizer que o artigo 5º da Constituição Federal de 1988 não é exaustivo cumpre demonstrar a verdade dessa proposição assim generalizada. O estabelecido no artigo 5º, § 2º (Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”) tem outra conceituação jurídica. Leia-se o escrito pelo professor José Afonso da Silva[5] quando explica o sentido do que sejam outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados” [6]. Mostra ele que se cuida de
(1) direitos individuais expressos, aqueles explicitamente enunciados nos incisos do art. 5º; (2) direitos individuais implícitos, aqueles que são subentendidos nas regras de garantias, como o direito à identidade pessoal, certos desdobramentos do direito à vida, o direito à atuação geral (art. 5º, II); (3) direitos individuais decorrentes do regime e de tratados internacionais subscritos pelo Brasil, aqueles que não são nem explícita nem implicitamente enumerados, mas provêm ou podem vir a provir do regime adotado, como o direito de resistência, entre outros de difícil caracterização a priori.” [...]
                     
Percebe-se pois que, segundo esse respeitável jurista mineiro, a não explicitude consiste no próprio conteúdo de conceitos do artigo 5º, ou seja, identidade pessoal, direito à vida, direito à atuação, direito de resistência. Sim, porque identidade pessoal se vincula ao direito à segurança (artigo 5º) — sem a sua identidade a pessoa andará insegura. Essa mesma identidade se vincula a palavras do artigo 5º: inviolabilidade da intimidade, inviolabilidade da vida privada, inviolabilidade da imagem das pessoas. Também a reprodução da imagem de qualquer um. Acresce ainda o seguinte — reza a Constituição Federal de 1988: conceder-se-á "habeas-data": *-* para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante.
No tocante ao direito à atuação consta no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 que é livre a locomoção no território nacional. Relativamente ao direito de resistência a que alude o professor J. Afonso, está outrossim na nossa constituição federal que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, bem como o direito de fazer ou não fazer alguma coisa.
Em síntese, pois, tem-se isto — a regra jurídica constitucional do artigo 5º § 2º (Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados”) só diz respeito a fatos já existentes na regra do caput. Não traz nenhum elemento de outra regra jurídica constitucional como a do artigo 228 (são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.
Por outras palavras, nada impede que a idade de responsabilidade penal seja de 16 anos, alterando-se a atual norma posta no artigo 228 da Constituição Federal de 1988.
Continua a insistir o eminente procurador geral, alegando com tratados de que o Brasil seja signatário:
[...] direitos e garantias concernentes com os princípios da própria Constituição e de tratados internacionais firmados pelo Brasil, integram referido rol, [...]

Nossa resposta: Ora, não existe a este respeito tal norma jurídica na Carta da ONU[7], sendo certo também que essa idade penal varia de povo para povo entre vários os países.[8]
Note-se que aqui se estuda como vige a Constituição Federal de 1988, e não como as pessoas gostariam que vigesse. Essa vontade de outra vigência expressa uma situação a respeito de como deve ser a norma: é uma quaestio de lege ferenda. O que está a viger é matéria da regra jurídica já produzida: cuida-se, assim, de uma quaestio de lege lata. Uma mudança de norma de direito há de atender ao que mais convém ao Povo, segundo a Constituição federal vigente — Art. 1º Parágrafo único. Todo o poder emana do povo.
Em regime democrático isso é incumbência primacial do Poder Legislativo, da maneira como vem regrado na Constituição, artigos 44-60 — o modo de as Emendas mudarem a Constituição é conteúdo do artigo 60, cujo texto é:
A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. § 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.     

Quanto aos tratados, ou convenções, ou acordos, há de levar-se em conta que não se relaciona com a idade de responsabilidade penal nenhum negócio jurídico de Direito das Gentes ou direito supraestatal, de que o Brasil é signatário,. Esse argumento é inane na discussão do problema jurídico ora sob discussão. Acresce a circunstância de inexistir tratado, ou convenção, proibitivos de maioridade penal aos 16 anos, afora uma única situação. Assim é que o professor Tiago Ivo Odon só alude a dois casos de Direito das Gentes ou direito supraestatal onde se faz menção, apenas sobre a pena de morte ao menor de 18 anos. São: (1) a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) — também conhecida como “Pacto de San José — e (2) o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos da ONU (1966). Acentua o autor, porém, que
[...] apenas proíbem a aplicação da pena de morte a menores de dezoito anos.[9] (grifo nosso).
                                      
III — Outros argumentos do ilustre procurador geral.
[...] a própria Constituição Federal admite que encerra em seu corpo, direitos e garantias individuais, e que o rol do artigo 5o não é exaustivo.

 Resposta. Esse “rol” é, sim, exaustivo. O que aparentemente contém a mais são as explicitações lógicas dos conceitos dela própria, como o professor José Afonso da Silva mostrou nos trechos indicados acima.

[...] direitos e garantias concernentes com os princípios da própria Constituição e de tratados internacionais firmados pelo Brasil, integram referido rol, mesmo fora de sua lista.
                                             
Resposta. Cumpre insistir: nada há fora do mesmo artigo 5º, que se possa definir como sendo também do mesmo núcleo rígido da Constituição Federal de 1988 (núcleo rígido, ou “cláusula pétrea” — o que é isto?!...). O trabalho do professor José Afonso da Silva é preciso nesses pontos.
[...] inciso IV, do parágrafo 4o, do artigo 60, [...] o dispositivo refere-se à não abolição de todo e qualquer direito ou garantia individual elencados na Constituição, não fazendo a ressalva de que precisam estar previstos no artigo 5º. (é nosso o ressaltado em itálico)

Resposta: essa ressalva não precisava de ser feita; a razão é a mesma acima dita por nós — a não explicitude consiste no próprio conteúdo de conceitos do artigo 5º, ou seja, identidade pessoal, direito à vida, direito à atuação, direito de resistência.       Sim, porque identidade pessoal se vincula ao direito à segurança (artigo 5º) — sem a sua identidade a pessoa andará insegura. Essa mesma identidade se vincula a palavras do artigo 5º: inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da imagem das pessoas. Também a reprodução da imagem de qualquer um. Acresce o seguinte que também reza a Constituição Federal de 1988: conceder-se-á "habeas-data": a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante. [...] No tocante ao direito à atuação física consta no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 que é livre a locomoção no território nacional. Relativamente ao direito de resistência, a que alude o professor J. Afonso, consta outrossim na nossa constituição federal que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, bem como o direito de fazer ou não fazer alguma coisa.

“Não são [...] apenas os que estão no art. 5o, mas, como determina o parágrafo 2o do mesmo artigo, incluem outros que se espalham pelo Texto Constitucional e outros que decorrem de implicitude inequívoca. Trata-se, portanto, de um elenco cuja extensão não se encontra em Textos Constitucionais anteriores"[10]

Resposta: consta do acima dito por nós neste escrito. Outra alegação é tal consta das [...] normas das Nações Unidas.

Resposta: não existe norma como essa em regras jurídicas da ONU.
Ainda outro argumento:

[...] que a criança tenha prioridade na implementação de políticas públicas, por exemplo, e desta forma, inclusive por questão de coerência jurídico-constitucional não iria deixar ao desabrigo do artigo 60, § 4º, IV, os direitos e garantias individuais de crianças e adolescentes [...]

Resposta: é coerente neste ponto a Constituição Federal de 1988, pela mesma razão, ou seja, o conteúdo do artigo 228 é estranho ao conteúdo dos artigos 5º e 60 § 4º, IV. 
            E mais:

[...] os princípios do artigo 227 encontram suporte no inciso acima transcrito e em todos os outros estabelecidos a partir do inciso XXXIX. 

Resposta: este argumento vem a ser o mesmo sobre não estar no artigo 5º o material do artigo 228. Outro argumento:
[...] tal disposição se coaduna com o regime e princípios adotados na Constituição Federal. 

Resposta: é verdadeira essa proposição, mas não prova que o artigo 228 está contido no artigo 5º. Argui-se do depois:
 [...] no que diz respeito ao direito penal e a vedação de aplicação de certas penas aos cidadãos, vemos: "Art. 5o, XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis;"

Resposta: a responsabilidade penal aos 16 anos está conforme à regra jurídica de todo o artigo 5º; nada tem contra ele.
Continuando, alega o ilustre procurador do Estado-membro de Santa Catarina:
O artigo 228, nada mais é do que a garantia da não-responsabilização criminal da pessoa menor de 18 anos, justamente em razão da sua condição pessoal de estar em desenvolvimento físico, mental, espiritual, emocional e social, [...]
Assim, estamos diante de uma responsabilização especial, não penal, que é um direito individual do adolescente e, como tal, consubstanciado em cláusula pétrea.
Dito isto, só nos resta assegurar que este dispositivo constitucional também é cláusula pétrea, portanto, insuscetível de reforma ou supressão.

Resposta: equivoca-se o digno procurador geral de Santa Catarina por idêntica razão. Nenhum direito de adolescentes brasileiros está garantido pela norma constitucional imutável por Emenda (artigo 5º da Constituição Federal de 1988).
            Prosseguindo, foi dito:
Escreveu J.J. Gomes Canotilho que "os direitos de natureza análoga são os direitos que, embora não referidos no catálogo dos direitos, liberdades e garantias, beneficiam de um regime jurídico constitucional idêntico aos destes.

Resposta: falta analogia de todo em todo entre direitos, liberdades e garantias do rapaz de 16 anos com o conteúdo jurídico do artigo 5º da Constituição brasileira.
Ainda:
Concluímos afirmando que qualquer emenda tendente a abolir do texto constitucional a fixação da idade penal ou a que pretenda reduzir a idade de responsabilização penal, será flagrantemente inconstitucional e vedada expressamente pelo artigo 60, § 4º, IV, da Constituição Federal.

Resposta: os argumentos desenvolvidos pelo ilustre procurador geral de S. Catarina estão vazios de juridicidade no tocante à questão da diminuição da capacidade penal, baixada de 18 para 16 anos de idade. A razão repete-se uma e outra vez, a saber, a regra jurídica do artigo 228 da Constituição Federal de 1988 é estranha aos direitos e garantias assegurados no seu cerne rígido — este cerne rígido é o traçado pelo artigo 5º da Constituição Federal. O conteúdo da regra jurídica descrito nesse artigo não leva consigo o estabelecido no artigo 228, que é o locus juris da idade de responsabilidade penal — se vai continuar sendo com 18 anos, ou se pode iniciar-se aos 16 anos de idade.
IV — Nossas conclusões
Ao pesquisador, como em geral ao pensador, recomenda-se usar o método indutivo experimental[11]. Com ele dá-se muito mais atenção ao mundo fático (mundo existente fora da mente humana) que às ideias soltas (ideias imagináveis pela mente humana)[12]. Não é verdade, tem-se de admitir, que o emprego do método indutivo experimental livra o homem de todo erro, mas é verdade, sim, que esse método leva o estudioso a errar menos.
Muitos são os óbices dos acertos. É razão bastante para se dar atenção especial à melhor maneira de se controlar o conhecimento. Tem-se no Brasil obra notável sobre o modo recomendado para bem se conhecer, com menor número de erros. Trata-se do livro de Pontes de Miranda O problema fundamental do conhecimento. 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, sobretudo quando expõe as reflexões sobre o “jeto”, descoberta original, a nosso ver preciosa, desse brasileiro[13].
Decerto esse não foi o método a que se dedicou o ilustre procurador geral de justiça, dr. Gersino Gerson Gomes Neto, em cujas reflexões, a nosso ver, lhe faltaram os cuidados com a “sabedoria da inteligência”[14]. Parece haver prevalecido uma busca apaixonada[15] de “sabedoria dos instintos”[16] por isso que se deixa vencer por sua própria vontade, vontade de manter a idade de 18 anos para a responsabilidade penal. Entretanto, cumpre prevalecer o desejo de se aplicar a Constituição brasileira como está — permitir a responsabilidade penal desde os 16 anos de idade. Há, pois, sólido fundamento para se afirmar que inexiste obstáculo algum de ordem constitucional para a alteração do artigo 218 da Constituição Federal de 1988, a saber,
São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

A idade de responsabilidade penal pode, sim, iniciar-se aos 16 anos de idade.
Em síntese, e por fim, não há erro jurídico algum em se alterar o escrito atualmente no artigo 228 da Constituição Federal de 1988, baixando-se a responsabilidade penal de 18 para 16 anos.
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Bibliografia e referências.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed., 4 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972.
————, Introdução à sociologia geral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980.
————, Introdução à política científica. 2ª. edição. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
————, Epiküre der Weisheit. 2. Aufflage. München: Griff-Verlag, 1973 (primeira parte), “Die Weisheit des Instinkte”
————,. Epiküre der Weisheit. 2. Aufflage. München: Griff-Verlag, 1973 (segunda parte), “Die Weisheit der Intelligenz.
————, Tratado das ações. Sete tomos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970-1978.
RT número 678, abril de 1992.
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[1] A questão de ser ou não ser conveniente a mudança da Constituição é matéria de decisão política. Será ela acertada se atender aos princípios científicos estruturadores do processo social de adaptação “Política”. Ver Pontes de Miranda Introdução à política científica. 2ª. edição. Rio de Janeiro: Forense, 1983, sobretudo páginas 133-198.
[3] Ver PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Introdução à sociologia geral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, páginas 30-43.
[10] O procurador de justiça transcreve aí parecer de Ives Gandra Martins.
[11] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed., 4 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, tomo I, páginas 67 e 288; tomo IV, 69 e seguintes, 77-122, 221 e seguintes.
[12] No tocante a responsabilidade e personalidade, mesmo autor e mesma obra, tomo IV, páginas 235-248.
[13] Ler notadamente as páginas 83-106, em que Pontes cuida de “Dado e Relacional; Universais, Essências, Espécies”.

[14] Ver Pontes de Miranda, PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Epiküre der Weisheit. 2. Aufflage. München: Griff-Verlag, 1973, sobretudo o aforismo de número 14, página 13.
[15] Ver o nosso http://mozarcostadeoliveira.blogspot.com.br/, onde falamos em moralidade e corrupção. Também a primeira parte de “Paixão, Razão e Natureza”, RT número 678, abril de 1992 (ou, http://mozarcostadeoliveira.blogspot.com.br/2009/12/paixao-razao-e-natureza-investigacao_21.html).

[16]  Também de Pontes de Miranda, Epiküre der Weisheit. 2. Aufflage. München: Griff-Verlag, 1973, primeira parte, “Die Weisheit des Instinkte”, aforismos 8 (sobre a Realidade) e 37 (sobre Realidade e Fantasia), páginas 31-32 e 38-39, respectivamente.