quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020


DIREITO DOS SERVIDORES PÚBLICOS À CORREÇÃO MONETÁRIA DOS VENCIMENTOS (3ª edição)

A tese deste trabalho— No artigo 37-X da Constituição Federal de 1988 a correção monetária de vencimentos não é fixação nem alteração de remuneração, de modo que é desnecessária qualquer lei para simples correção monetária.
(Primeira edição em 04/11/2008; segunda em 09/11/2017, terceira em 12/02/2020).


Cuidaremos do assunto em seis itens: necessidade dos magistrados brasileiros, lei contrária à Constituição Federal, desnecessidade de lei específica, inflação, objeção e conclusão.
Eia, pois, a começar pelos magistrados.
I A necessidade dos magistrados brasileiros.

A necessidade dos magistrados brasileiros, de que todos precisam, é da revisão anual (= correção monetária dos vencimentos), sem esperar por lei específica, coisa que a Constituição Federal de 1988 não tem por pressuposto. Verdade é estarem como que em voga algumas vantagens para os magistrados ainda na vida ativa, que convém terminem; exemplos: a) bastam as férias anuais de 30 dias; b) deve ser alterado o que se tenha estabelecido favoravelmente aos magistrados em forma de auxílio residência, verba para aquisição de livros, abono constitucional de um terço de férias, antecipação de férias, antecipação de gratificação natalina, pagamento por serviço extraordinário, pagamento por substituição, pagamentos retroativos com juros, parcela autônoma de equivalência etc. Essas verbas talvez variem na União e de um para outro Estado-membro e DF.
Tudo isso, pensamos nós, pode e deve ser alterado; o que não pode faltar é a revisão anual dos vencimentos ou subsídios. Sem essa revisão anual, estabelecida na Constituição Federal de 1988, os magistrados vão ficando mais pobres de ano para ano, numa “técnica” perversa, com que perdem a irredutibilidade dos vencimentos, determinada esta pela Constituição Federal. 
 No mesmo sentido, outro argumento diz respeito à irredutibilidade efetiva nos vencimentos (nível financeiro de vida). A regra jurídica do artigo 95-III é sobre a - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I. Estas ressalvas, porém, não reduzem o conceito de irredutibilidade dos vencimentos. Veja-se pois.
O artigo 37-X e o 37-XI, dizem:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos.

Eventual argumentação em sentido contrário, decorrente da lei havida por “regulamentadora” desta matéria, colide com as regras jurídicas da Constituição Federal de 1988. A necessidade de lei específica, quadra insistir, é só para fixar e para alterar a remuneração, coisa que a correção monetária não realiza; eis o texto:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, [1] [...]

Outra regra jurídica a incidir sobre a administração é a seguinte:
Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas: I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preenchem os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; [...] V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; [...] XI – a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data e por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso; [...]
Como a revisão geral é pelo menos ânua, de acordo com a norma constitucional, se não sobreviesse a lei específica o servidor público — qualquer magistrado também o é — teria ação de direito material contra o autor, ou autores, do ilícito. A ilicitude nesta matéria é a omissão da revisão anual dos vencimentos — com a simples aplicação da correção monetária sobre os valores recebidos no ano anterior, ou seja, anterior ao ano que acaba de terminar (digamos, de 2.020 para 2.021). 

II Uma lei contrária à Constituição Federal

Trata-se agora da lei de nº 10.331, de 18 de dezembro de 2001. Entremos agora a esta lei, que “regulamentaria” o inciso X do art. 37 da Constituição a dispor sobre a revisão geral e anual das remunerações e subsídios dos servidores públicos federais dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, das autarquias e fundações públicas federais.
Quadra adiantar aqui que as palavras sublinhadas estão assim por iniciativa minha própria. A ver, pois:
Regulamenta o inciso X do art. 37 da Constituição, que dispõe sobre a revisão geral e anual das remunerações e subsídios dos servidores públicos federais dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, das autarquias e fundações públicas federais.

Art. 1º As remunerações e os subsídios dos servidores públicos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, das autarquias e fundações públicas federais, serão revistos, na forma do inciso X do art. 37 da Constituição, no mês de janeiro, sem distinção de índices, extensivos aos proventos da inatividade e às pensões. Art. 2º A revisão geral anual de que trata o art. 1º observará as seguintes condições: I - autorização na lei de diretrizes orçamentárias; II - definição do índice em lei específica; III - previsão do montante da respectiva despesa e correspondentes fontes de custeio na lei orçamentária anual; IV - comprovação da disponibilidade financeira que configure capacidade de pagamento pelo governo, reservados os compromissos relativos a investimentos e despesas continuadas nas áreas prioritárias e interesse econômico e social; V - compatibilidade com a evolução nominal e real das remunerações no mercado de trabalho; VI - atendimento aos limites para despesa com pessoal de que tratam o art. 169 da Constituição e a Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000. Art. 3º Serão deduzidos da revisão os percentuais concedidos no exercício anterior, decorrentes de reorganização ou reestruturação de cargos e carreiras, criação e majoração de gratificações ou adicionais de todas as naturezas e espécie, adiantamentos ou qualquer outra vantagem inerente aos cargos ou empregos públicos. Art. 4º No prazo de trinta dias contados da vigência da lei orçamentária anual ou, se posterior, da lei específica de que trata o inciso II do art. 2º desta Lei, os Poderes farão publicar as novas tabelas de vencimentos que vigorarão no respectivo exercício. Art. 5º Para o exercício de 2002, o índice de revisão geral das remunerações e subsídios dos servidores públicos federais será de 3,5% (três vírgula cinco por cento). Parágrafo único. Excepcionalmente, não se aplica ao índice previsto no caput a dedução de que trata o art. 3º desta Lei. Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. [,,,]

Fácil provar que a lei será inválida quando for inconstitucional. O sentido e a orientação da norma inserida na Constituição Federal de 1988, tem o seguinte conteúdo:
 “o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;” [...]   

Esta segurança da revisão anual veio a ser uma prerrogativa importante do servidor público, prerrogativa, dissemos, porque mantém os ganhos intocados pela inflação, fenômeno este que causa o crescimento contínuo e generalizado dos preços[2]. Sem essa garantia de os vencimentos serem não aumentados, mas apenas anualmente mantidos no seu quantum, permite a tranquilidade dos que servem ao Povo por vocação e mediante o pagamento estatal. Por causa disso conserva-se, preservava-se, o orçamento estável do funcionário em suas previsões anuais nos gastos com saúde, alimentação, educação, habitação, estudos profissionais continuadamente aperfeiçoados, descanso, lazer etc. 
Quadra dizer, notadamente no respeitante aos magistrados, que essa estabilidade financeira lhes possibilita independência, serenidade, urbanidade, conduta em tudo irrepreensível etc. segundo a moral e a sua lei (leia-se a lei complementar número 35, de 14 de março de 1979)[3].
 Outra regra jurídica é a do artigo 39 § 4º:
O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

Vamos ao artigo 150, II:
Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; [...] 

Agora ao artigo 153, III:
Compete à União instituir impostos sobre: [...] III - renda e proventos de qualquer natureza; [...]   Artigo 153, § 2º, I: Compete à União instituir impostos sobre: [...] § 2º - O imposto previsto no inciso III: I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei; [...]. 

Bem, já está longe o tempo em que a magistratura se livrava do imposto de renda. Ninguém, nos dias que passam, busca esse privilégio. Nem se pretende aumento de vencimento, subsídio, ou vantagens outras. Outra coisa, porém, é ficar de um ano para o ano seguinte sem correção monetária. Isto é impor ao juiz uma diminuição do seu nível de vida, do seu poder aquisitivo, coisa que a Constituição não permite ao estabelecer:
Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias: I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado; II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII; III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.  [...]                               

As meras palavras e a realidade extramental. Diz nada, expõe coisa nenhuma, a só expressão nominal, aritmética, dos vencimentos, expressão puramente linguística que ela é. Importa, isto sim, é o quanto ela significa ou tem sentido na realidade econômica, na efetiva irredutibilidade financeira do magistrado. Se esta importante realidade econômica não for efetiva, real, existente e atuante no mundo fático, a garantia constitucional da irredutibilidade dos vencimentos será irreal, “feita” só com palavras (mundo imaginário do não-ser). As palavras são símbolos linguísticos indicadores (ora escritos ora sonoros), mas são só indicadores do mundo real; apontam sim para a realidade mas, por si e em si, realidade elas não são. Neste caso a irredutibilidade financeira do magistrado seria algo assim como uma troça; como diz o vulgo, uma “mentirinha” — inania verba, não verdadeiras expressões das realidades extramentais, que já incomodavam notável poeta brasileiro[4]. Assinala Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, falando da generalidade, muita vez perigosa da linguagem:[5]

Dever jurídico da pessoa estatal. Notemos que, se Estado não cumpre a sua obrigação de logo prevenir o empobrecimento por exemplo, dos juízes, ele faz a magistratura depender dos dois outros poderes: a) do legislativo (pedindo-lhe o favor de uma lei) e b) do executivo (rogando-lhe que tenha a iniciativa dela, e que depois não use o poder de veto relativamente à atualização monetária). Deste modo, nessa matéria de tanta relevância, os poderes da república deixariam de ser independentes entre si — contra a norma do art. 2º, onde consta que “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Estado federativo. O Brasil é federação. Claro, pois, que a mesma norma incide sobre os Estados-membros e sobre os municípios. A respeito destes há mais esta:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:  I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público; [...].

Quer isto dizer, pois, que o assunto é de alargada gravidade institucional — ao sistema jurídico muito importa a matéria da irredutibilidade dos subsídios, vencimentos, ganhos dos magistrados brasileiros.

Quanto à pseudonecessidade de lei específica para a revisão anual, não se pode aceitar o raciocínio da Ministra Gracie em acórdão de que foi a relatora — a referência a “lei específica” só figura para as duas primeiras partes do art. 37, inc. X, a saber, (1) (1)fixação de vencimento e alteração dele e (2) iniciativa privativa do poder público competente para essa fixação ou alteração, como vimos expondo, a saber:
        X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; [...]

Note-se bem: assegurar é produzir determinação, causar certeza, confirmar realidades, garantir resultados, afiançar uma situação, abonar a expectativa criada, tornar algo confiável e livre de perigo previsto. Tudo isto no plano fático, não na fácil órbita de palavras soltas. Se quem responde pelos pagamentos mensais, por exemplo, aos magistrados, deixa de atuar segundo o dito e escrito em “assegurada revisão geral anual”, incorre em violação de dever e, a seu tempo, de obrigação, de modo que poderá, pela omissão, ser acionado por um prejudicado, ou por vários deles.
 Três diferentes partes da mesma regra jurídica constitucional. Veja-se a diferença essencial entre essas três partes da norma. () Fixar remuneração (ou subsídio) é novo fato econômico e, do mesmo modo, o ato de alterá-la é também fato econômico novo. () Tem mesmo de depender de lei com iniciativa do poder responsável, do novo poder competente. () Já a aplicação da correção monetária é tema inteiramente diverso — consiste no ato de se reverem anualmente os valores, tomando-se sempre o mesmo índice e idêntica época da sua aplicação. Está ausente aí qualquer fato econômico novo. Não se configura aí qualquer aumento de despesa.
Essencialmente diferente por quê?  Muito simples: revisão anual por índices iguais para todas as categorias de servidores não é fixação de vencimento, nem é alteração da anterior fixação. A revisão anual é simplesmente para corrigir os valores distorcidos pela inflação, os quais são cognoscíveis mediante expediente aritmético comezinho. Não leva consigo nada de alteração dos valores já fixados: revê-se apenas o cálculo nominal para que se recuperar o valor real. Importa nada o nome (verba), sim a realidade do mundo extramental. Não ocorre com a correção monetária, quadra insistir, nenhuma alteração do valor real que a lei já estabelecera quando fixou vencimentos, ou quando os alterou.
Nesta última parte da norma está ausente toda e qualquer alusão à dita “lei específica”. E com toda razão: dá-se somente outro valor nominal (apenas outras cifras aritméticas, nada mais), não com o fim de remunerar mais (alterar o valor anterior), nem de estabelecer novos valores (fixar). Ao se proceder à correção monetária do valor que a lei fixou, atribuem-se à mesma coisa apenas outro nome, outros algarismos, outra expressão aritméticaretoma-se, em nova expressão linguística, o mesmo valor econômico anterior. Correção monetária não aumenta vencimentos. Apenas não permite que sejam eles diminuídos em face da inflação ocorrida, por exemplo, no período de um ano. Inflação é um fato econômico. Não cabe expediente legal para se descobrir qual a inflação ocorrida no ano anterior à revisão anual assegurada na Constituição Federal de 1988. Não é a lei que a fixa, mas a convivência econômica no que advém de produção, comércio, serviços — necessidades humanas, custos, perdas e ganhos, busca para consumo e para vivência. Isto é parte autônoma da Economia nos seus resultados, sobre que não tem como ser fixada por lei. Cuida-se da economia de mercado, do sistema de livre iniciativa, ao modo concebido por Adam Smith.[6]
III — INFLAÇÃO.
Algumas ocorrências sobre inflação acham-se na média brasileira entre 2012 e 2016, tal como consta no link que ora transcrevemos:  https://pt.global-rates.com/estatisticas-economicas/inflacao/indice-de-precos-ao-consumidor/ipc/brasil.aspx

 

Consta pois, de dados oficiais, que a inflação neste período de cinco anos foi de 35,12%. [7] Quer isto dizer que em cinco anos os magistrados do Estado de São Paulo perderam mais de uma terça parte dos seus vencimentos; quem porventura ganhava vinte mil reais mensais passou a perceber, na realidade econômica, apenas pouco menos de treze mil por mês. A falta de revisão anual reduziu-lhe um terço dos vencimentos. [8]

 Foi o governo do Estado de São Paulo, que, contrariando regra jurídica constitucional (artigo 37, inc. XV), lhes reduziu os vencimentos. Assim acontece sempre que não se aplica a correção monetária ao efetivo valor do vencimento, depois de haver decorrido, digamos, um ano. Quadra insistir:

XV - o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; [...]

Os incisos XI não tem relação alguma com correção monetária, e sim com limites de remuneração.[9] O inc. XIV traça critério para concessão de acréscimos e, também aqui, sem relação alguma com correção monetária.[10]
Nem a norma do artigo 39 nem a do seu § 4º regula correção monetária; não essas normas jurídicas tratam de revisão anual, e sim do direito dos servidores de receberem a sua remuneração, vedado, entretanto, o seguinte: gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória que beneficie detentor de mandato eletivo, Ministros de Estado e Secretários Estaduais e Municipais.[11]
Até agora, pois, nada há que restrinja o direito dos membros da magistratura, federais e estaduais   de conservarem ano a ano o mesmo poder aquisitivo, mantendo inalterada a sua capacidade econômica — tudo isto sem aumento dos vencimentos, sem alteração real dos seus valores. O que a Constituição Federal de 1988 lhes garante é apenas prevenir toda e qualquer forma de rebaixar o nível dos seus ganhos. Negar a correção monetária anual aos vencimentos é forma omissiva de se diminuírem os vencimentos, quando haja inflação intercorrente.
O direito objetivo é um processo social de adaptação (matéria vital, portanto) cujo objeto, quadra repetir, são as realidades extramentais, e não ficções ou joguete de palavras. Passado um ano com remuneração A, sem correção monetária desse valor para o servidor manter o seu poder aquisitivo em época de inflação é, sem qualquer sombra de dúvida, retirar-lhe a renda efetiva representada pelo quantum remuneratório estabelecido por lei. Decerto essa omissão diminui a realidade dos vencimentos. Baixa-se com isso o nível de vida do magistrado, diminui-se nele o poder de compra, de consumo, de vida financeira. Numa palavra, altera-se-lhe para menos o vencimento. Assim a pessoa jurídica estatal infringe o artigo 37, inc. XV da Constituição.
Sendo a correção monetária dos vencimentos um dever do Poder Executivo, a este cabe a cada ano calcular o que é de mister em matéria de correção monetária, para inserir no orçamento o respectivo quantum. Há, pois, de levar em linha de conta a lei orçamentária anual.[12]
Entremos novamente ao exame das normas do artigo 153-III e do seu § 2º-I. Ora bem, nenhuma dessas normas atinge o direito à correção monetária. Diz o artigo 153 diz que
“Compete à União instituir impostos sobre: [....] III - renda e proventos de qualquer natureza”.

A regra do § 2º: 
“O imposto previsto no inciso III” “I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei”.

É evidente em si e por si: ocorre uma restrição imposta ao direito do servidor de nunca perder, a cada ano que passa, o seu nível econômico de vida, o direito de manter irredutível a realidade fática dos vencimentos (econômico-financeira) tal como a lei os havia fixado. Portanto, sem necessidade de outra lei, é patente, inequívoco, o direito do funcionário público (o magistrado também o é) de receber a correção monetária dos vencimentos, sempre que tenha havido inflação intercorrente, por exemplo, de um ano para o ano subsequente — “vencimentos [....] irredutíveis” no preciso dizer do artigo 37-X da Constituição Federal de 1988.
A medida da inflação intercorrente é sem remissão alguma a “lei”. Medem a inflação diversos institutos que se dedicam ao estudo dela. Examine-se o conteúdo da tabela abaixo, abrangente de cerca de seis anos.
ÍNDICE
VARIAÇÃO
PERÍODO



IPC (Fipe) ..............................
48,55%
de 01/01/96 a 30/11/02
IPCA (IBGE) .........................
60,25%
de 01/01/96 a 30/11/02
CUB (Sinduscon) ...................
60,70%
de 01/01/96 a 30/11/02
IPC (FGV) .............................
61,98%
de 01/01/96 a 31/10/02
INPC (IBGE) .........................
62,86%
de 01/01/96 a 30/11/02
INCC (FGV) .........................
70,37%
de 01/01/96 a 30/11/02
ICV (Dieese) .........................
71,09%
de 01/01/96 a 30/11/02
IGP-DI (FGV) .......................
102,18%
de 01/01/96 a 31/10/02
IGP-M (FGV) ........................
110,78%
de 01/01/96 a 30/11/02
Poupança ...............................
121,90%
de 01/01/96 a 30/11/02
Dólar Comercial Compra .......
276,29%
de 01/01/96 a 30/11/02




O IPCA é o índice oficial do Governo Federal, o meio técnico para medição das metas inflacionárias contratadas com o FMI a partir de julho/99. O IPCA/IBGE é calculado mensalmente pelo IBGE. Foi instituído com a finalidade de corrigir as demonstrações financeiras das companhias abertas. Nesse intuito tem de verificar as variações dos custos com os gastos das pessoas que ganham de um a quarenta salários mínimos nas regiões metropolitanas de Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, município de Goiânia e Distrito Federal. A ponderação das despesas das pessoas para se verificar a variação dos custos foi definida do seguinte modo:
Tipo de Gasto — Alimentação
Peso % do Gasto — 25,21
Transportes e comunicação — 18,77
Despesas pessoais — 15,68
Vestuário — 12,49
Habitação — 10,91
Saúde e cuidados pessoais — 8,85
Artigos de residência — 8,09
Total — 100,00

 O IPCA/IBGE mede a variação dos custos dos gastos, conforme acima descrito, no período do primeiro ao último dia de cada mês de referência. No período do dia onze ao dia vinte do mês seguinte o IBGE divulga as variações. O IPCA tem por início o mês de janeiro, do ano de 1980.[13]
É, portanto, inconstitucional o conjunto de regras jurídicas da lei n. 10.331, de 18 de dezembro de 2001 (co-assinada, aliás. ela pelo atual ministro G. Mendes...). Veio ela para, digamos, “regulamentar” o inciso X do art. 37 da Constituição, que preceitua a revisão geral anual das remunerações e subsídios dos servidores públicos federais dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, das autarquias e fundações públicas federais.
Tornemos à regra jurídica constitucional. Está ela posta assim: 
Art. 37, item X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices.
               
A “lei específica” a que alude esta norma do art. 37, item X, é para a finalidade exclusiva de fixar, ou então de alterar a remuneração ou subsídio percebido pelo funcionário público brasileiro. E mais: os ganhos do funcionário público do Brasil são de quantum insusceptível de redução do valor real, como assim estabelecido no art. 37, item XV (no qual o conteúdo de “ressalvado” é estranho à correção monetária):
– o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I
                     39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I

Cabe bem, a este respeito, lembrar um acórdão do Supremo Tribunal Federal, de que foi relator o ministro Marco Aurélio (com um único voto vencido): é o recurso extraordinário de número 565.089, Tribunal Pleno, em 09/06/2011, Estado de São Paulo: https://alcaides-edis.blogspot.com/2014/04/Supremo Tribunal Federal-revisao-geral-anual-vencimentos.html.
É efetivamente assim para todo e qualquer funcionário público do país, de modo que se trata mesmo de, como erradamente fundamentado no único voto vencido (do ministro Luiz Roberto Barroso), cuida-se mesmo, repito, de “uma forma de indexação permanente, situação de indexação ampla, geral e irrestrita”. Assim é que tem de prosseguir enquanto viger a Constituição Federal dos nossos dias.
Aliás, ao que muita gente sabe, as demais unidades da federação aplicam a regra jurídica constitucional “revisão geral anual”, mesmo sem lei específica. Aliás, diz o seu art. 2º:

       “A revisão geral anual de que trata o art. 1º observará as seguintes condições:

I - autorização na lei de diretrizes orçamentárias; II - definição do índice em lei específica; III - previsão do montante da respectiva despesa e correspondentes fontes de custeio na lei orçamentária anual; IV - comprovação da disponibilidade financeira que configure capacidade de pagamento pelo governo, preservados os compromissos relativos a investimentos e despesas continuadas nas áreas prioritárias de interesse econômico e social; V - compatibilidade com a evolução nominal e real das remunerações no mercado de trabalho; e VI - atendimento aos limites para despesa com pessoal de que tratam o art. 169 da Constituição e a Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000.

É muito de notar-se o seguinte: “autorização na lei” e “índice em lei específica” não são condições para a “revisão geral anual”: a redação deste artigo 2º acima transcrito apenas tem a ver com deveres e eventuais obrigações das autoridades responsável pela revisão geral anual; são elas que hão cumprir detidamente esta lei do artigo 2º desta lei.  
Reza assim a norma constitucional do art. 169 da Constituição Federal de 1988:
Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar. § 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista. § 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista. § 2º Decorrido o prazo estabelecido na lei complementar referida neste artigo para a adaptação aos parâmetros ali previstos, serão imediatamente suspensos todos os repasses de verbas federais ou estaduais aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que não observarem os referidos limites. I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; § 2º Decorrido o prazo estabelecido na lei complementar referida neste artigo para a adaptação aos parâmetros ali previstos, serão imediatamente suspensos todos os repasses de verbas federais ou estaduais aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que não observarem os referidos limites. § 3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências: II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista. § 3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências: I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; § 2º Decorrido o prazo estabelecido na lei complementar referida neste artigo para a adaptação aos parâmetros ali previstos, serão imediatamente suspensos todos os repasses de verbas federais ou estaduais aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que não observarem os referidos limites. I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; II - exoneração dos servidores não estáveis. § 3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências: II - exoneração dos servidores não estáveis. § 4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcionário o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal. I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; § 4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcionário, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal. § 5º O servidor que perder o cargo na forma do parágrafo anterior fará jus a indenização correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço. II - exoneração dos servidores não estáveis. § 5º O servidor que perder o cargo na forma do parágrafo anterior fará jus a indenização correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço. § 6º O cargo objeto da redução prevista nos parágrafos anteriores será considerado extinto, vedada a criação de cargo, emprego ou função com atribuições iguais ou assemelhadas pelo prazo de quatro anos. § 4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal. § 6º O cargo objeto da redução prevista nos parágrafos anteriores será considerado extinto, vedada a criação de cargo, emprego ou função com atribuições iguais ou assemelhadas pelo prazo de quatro anos. § 7º Lei federal disporá sobre as normas gerais a serem obedecidas na efetivação do disposto no § 4º. § 5º O servidor que perder o cargo na forma do parágrafo anterior fará jus a indenização correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço. § 7º Lei federal disporá sobre as normas gerais a serem obedecidas na efetivação do disposto no § 4º. § 6º O cargo objeto da redução prevista nos parágrafos anteriores será considerado extinto, vedada a criação de cargo, emprego ou função com atribuições iguais ou assemelhadas pelo prazo de quatro anos. § 7º Lei federal disporá sobre as normas gerais a serem obedecidas na efetivação do disposto no § 4º. Art. 3º Serão deduzidos da revisão os percentuais concedidos no exercício anterior, decorrentes de reorganização ou reestruturação de cargos e carreiras, criação e majoração de gratificações ou adicionais de todas as naturezas e espécie, adiantamentos ou qualquer outra vantagem inerente aos cargos ou empregos públicos. Art. 4º No prazo de trinta dias contados da vigência da lei orçamentária anual ou, se posterior, da lei específica de que trata o inciso II do art. 2º desta Lei, os Poderes farão publicar as novas tabelas de vencimentos que vigorarão no respectivo exercício.


Relevante observação: nesta longa regra jurídica do art. 169 da Constituição Federal de 1988, com diversas alusões a termos e realidades como: lei, vantagem, aumento ou criação de cargos, admissão ou contratação  pessoal, concessão de qualquer vantagem, aumento criação de cargos, admissão ou contratação de pessoal, autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, prévia dotação orçamentária autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, repasses de verbas lei complementar referida neste artigo, criação de cargo, lei específica, tabelas de vencimentos et similia, nesta longa lista, repito, está ausente toda e qualquer alusão à correção monetária, justamente a matéria de que estamos a tratar.  
Em assim sendo, determinações jurídicas estabelecidas no prol dos agentes públicos da União hão de ser cumpridas pelo presidente da república. Nos Estados-membros e no Distrito Federal é do governador a correspondente obrigação de assim atuar; nos municípios é dos prefeitos este mesmo dever jurídico. O sentido e a orientação da regra jurídica sobre a revisão anual, ambos têm em vista a segurança financeira de quem trabalha para ela, para a União Federal, mas a regra jurídica constitucional incide sobre todos os servidores públicos de Brasil. São os responsáveis pela revisão anual que têm o dever de providenciar a autorização na lei de diretrizes orçamentárias, cumpre-lhes definir o índice em lei específica, é deles a obrigação de prever o montante das despesas, das fontes de custeio na lei anual, de providenciar a disponibilidade financeira e a capacidade de pagamento, também preservar os compromissos de investimentos e despesas continuadas, assim como o dever de examinar a compatibilidade com a evolução real das remunerações no mercado de trabalho (com a correspondente adequação estatal) e, por fim, atender aos limites para despesa com pessoal (art. 169 da Constituição e a Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000).
Vejamos, no campo fático, o que seja “administrar”. Trata-se de planejar, organizar, dirigir e controlar são as funções próprias de quem se pôs como responsável por qualquer empresa privada[14]. Vem a ser muito semelhante à da empresa privada o conjunto das funções das quais necessita se desincumbir o agente público, como o presidente da República, o governador, o prefeito etc. Como se sabe, tal é mostrado por autores estudiosos da coisa pública tais como Di Pietro, Hely Lopes Meirelles, Carvalho Filho, Marçal Justen Filho e outros.[15] Descabe qualquer reflexão sobre impossibilidade jurídica, ou da ineficácia da regra jurídica legal que faça alusão à necessidade de lei para regrar diversamente a norma constitucional referente à revisão anual de vencimentos. Nem cabe, nunca, o errôneo exame subjetivista de “vontade da lei”.[16]
Em assim sendo, comete falta administrativa grave quem, ocupando quaisquer cargos de chefia, se descuidar dos deveres de planejar, organizar, dirigir e controlar as finanças públicas.
Diz-se na lei complementar de número 101/2000:
A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.”

Todos estes incisos têm caído no vazio porque embora ano a ano, por causa da inflação, incida a correção monetária sobre o ano financeiro seguinte, esta norma de direito não tem sido cumprida: os responsáveis pelo pagamento do subsídio do magistrado largam-na de lado — a correção monetária anual dos vencimentos tem deixado de aplicar-se.
Segue-se, logo, que essa mal engendrada lei é inválida em tudo quanto faz depender de outro poder, ou da lei, a revisão anual dos vencimentos pelos índices medidores da inflação intercorrente. É inconstitucional, sim, por constar nela própria aquilo que a Constituição, por si mesma, excluiu da dependência de lei. Se válida fosse, ou se tornasse aparentemente válida, então teríamos em mãos uma regra jurídica ineficaz, isto é, lei sem sentido, vazia, composta com inania verba — a razão é a mesma de sempre: todas as leis, a que os incisos dela aludem, já têm embutida em si, por força da Constituição Federal de 1988, a correção monetária das despesas do ano subsequente. Quer isto, pois, dizer que a correção monetária dos vencimentos é um direito subjetivo constitucional dos servidores públicos, entre os quais se incluem os magistrados.
IV — Objeções
A) A redação da regra jurídica na própria constituição federal.
                Há quem já escreveu que também para a correção monetária a própria Constituição Federal preexige lei; não, há engano. Vamos ao texto.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos.

Fácil é de notar que em passo algum desta regra jurídica constitucional se enuncia ser de mister lei para a atualização monetária dos vencimentos (subsídios). As duas expressões “lei específica’ e “observada a iniciativa privativa em cada caso” não são sinônimas de coisa alguma a dizer ao intérprete ser necessária lei para efeito de se haver a correção monetária dos vencimentos, ou proventos. [17]
B) O “estado de necessidade”
Outra importante objeção a todo o exposto acima vem a ser a preexcludente conhecida como “ESTADO DE NECESSIDADE”. Vejamos.
                Consta do Código Penal brasileiro:
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade,
II - em legítima defesa,
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
*
Em relação ao mundo civil, o estado de necessidade, está previsto no artigo 188, inciso II e parágrafo único do Código Civil. Há também a ressalva constante no artigo 929 deste mesmo código, assegurando-se o direito à indenização do prejuízo sofrido pela pessoa lesada ou o dono da coisa, caso não sejam responsáveis pela situação de perigo, assim:
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

Cumpre deter-se o pesquisador sobre este relevante assunto. Vamos, pois, a ele, isto é, á preexcludente “estado de necessidade” (também pode ela ocorrer em matéria constitucional). É sabido que existem situações jurídicas em que a pessoa pratica um ato literalmente contrário a direito, mas está justificada — com esse ato deixa de conter ilicitude; só em aparência é um ato ilícito por causa de uma preexcludente de ilicitude. Essas justificativas jurídicas daquilo que seria ato ilícito, ato ilícito são mais conhecidas no direito penal (de que não trataremos aqui). Usa-se o termo preexcludente, e não o termo excludente, porque o ato praticado em estado de necessidade entra no mundo jurídico já justificado, aprovado, lícito — não há qualquer ilicitude anterior a ele.
Nos meios de comunicação.  Tem sido comum vir à tona pública esta matéria. Alguém tem de enfrentar alguma dificuldade e, para fazê-lo, causa dano a outrem, talvez até a muitas pessoas. Quadra lembrar os atos de intervenção federal no estado do Rio de Janeiro. Houve juristas que, à falta da lembrança do estado de necessidade, entenderam ser isto inconstitucional: iria contra a Constituição Federal de 1988 verbis:
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.
 § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
               
Regras jurídicas infraconstitucionais sobre esta matéria. As principais delas são as seguintes (negritos nossos):
Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.
               
Dá-se o estado de necessidade quando a) haja perigo atual de ameaça a bem jurídico do agente; b) o dito perigo há de ser tal que seja indispensável ao agente atingir bem de outrem para evitá-lo; c) o dano temido pela vítima é desproporcional relativamente ao dano que o agente vai causar à sua esfera jurídica. Reúnem-se, pois, estes três elementos, repetindo, perigo para o agente, indispensabilidade do dano a causar, a vítima vai mesmo sofrer esse dano à sua esfera jurídica.
Exemplo corriqueiro do estado de necessidade, é o furto famélico. Outros exemplos: (a) alguém não sabe nadar, mas foi atirado ao mar — pode invadir a lancha, ou canoa de outrem que tinha pressa em sair com qualquer desses dois tipos de embarcação; (b)  alguém vai de carro na faixa correta da direita e, para não atropelar um idoso distraído, joga o automóvel na calçada sobre a qual estraga uma moto corretamente estacionada, danificando assim, um poste de iluminação; (c) uma pessoa vai ao aeroporto para viagem ao Exterior, alguém lhe furta o passaporte, desaparecendo com ele — esse prejudicado pode pegar um táxi e pagar-lhe a mais para que trafegue em velocidade superior à permitida naquele local e horário — está em estado de necessidade; c) o general coordenador da intervenção no estado do Rio de Janeiro[18] teve de determinar a prisão de alguns traficantes já condenados ainda soltos na cidade mas, sabedor de que mudam de moradia a todo o momento, pode esse general mandar praticar busca e apreensão, prender pessoas desconhecidas, moradoras nas  imediatas proximidades — é porque há urgência no cumprimento desses mandados sem haver outra maneira para se ordenarem os movimentos naqueles locais e se tranquilizarem as demais pessoas inocentes da redondeza; trata-se aí de estado de necessidade do agente público.
Abrangência mais vasta. Quiçá por causa do desconhecimento deste ponto do direito, encontramos na mídia reportagens, ou exposições jornalísticas, em que se criticam pessoas diversas, sobretudo autoridades, por terem agido ora de um modo ora de outro jeito. Esta questão do estado de necessidade não é mesmo fácil. A dificuldade é a respeito do mundo fático, que não do conceito teórico do estado de necessidade. Tanto os estudiosos desta matéria como os curiosos sobre ela hão de pôr atenção especial aos elementos desta preexcludente de antijuricidade dos atos praticados.
Trata-se notadamente dos elementos indicados por Pontes de Miranda em três elementos, que deixamos apontado mais acima, a saber: a) que haja perigo atual de ameaça a bem jurídico do agente; b) o dito perigo há de ser tal que seja indispensável ao agente atingir bem de outrem para evitá-lo; c) o dano temido pela vítima é desproporcional relativamente ao dano que o agente vai causar à sua esfera jurídica. Os aspectos fáticos são cognitivamente de maior dificuldade porque neles o intérprete necessita de proceder a medições, como “perigo atual”, “indispensável ao agente”, “desproporcional relativamente ao dano”. [19]
Nada disto é simples justamente por essas medições serem dificultosas perante as múltiplas concepções e paixões em que as mentes vão disputar as suas teses conflitantes, coisa que sói ser de renhida peleja. E há mais: demonstrar a efetiva ocorrência simultânea destes três elementos tem que ser com os meios probatórios estabelecidos no código de processo civil —  provas de depoimento pessoal, confissão, exibição de documento ou de coisa, documental, testemunhal, pericial, inspeção judicial conforme o caso, tudo ao modo como estes meios de prova vêm regrados com minúcia nos artigos de 369 a 484 do código de processo civil (lei número 13.105, de 16 de março de 2015).
É bem verdade que boa parte dos profissionais da mídia trazem a sua atenção centrada no modo capaz de causar sensação imediata, impressão sensível rápida, comoção, emoção no público de ledores, ou ouvintes, ou televisivos até mesmo na motivação condenatória. Sim, isso é produto do nosso multifário e conflituoso ambiente cultural.
Seja como for, parece que se devem outrossim levar em conta os deveres, moral e jurídico, de a imprensa colaborar com a educação dos membros do Povo: quem lê jornal, ouve rádio, ou vê televisão, é um consumidor protegido pela lei de defesa do consumidor.
VBreve conclusão.
A matéria jurídica, o processo social de adaptação jurídico (= o Direito), longe está de ser assunto só para as academias nem só para os membros do poder legislativo. Ao contrário: é um importante modo, modo cotidiano, modo relevante de convivência social — como relevantes são os outros seis processos sociais de adaptação: religião, moral, arte, política, economia e ciência. Uma das vantagens existenciais do direito é que, corretamente aplicado, ele pode inibir atos e vedar omissões prejudiciais à vida humana (felicidade humana!); decerto ele, o Direito, não opera no interior da pessoa, como fazem as normas da religião e da moral, mas as regras jurídicas podem e devem ser aplicadas independentemente da vontade das pessoas sobre as quais elas incidem nas suas ações e omissões.  Sim, porque fazendo o cálculo matemático (com a genial aplicação da lógica simbólica), o brasileiro Pontes de Miranda mostra duas vantagens do Direito, que é um dos principais sete processos sociais de adaptação, ou seja, o Direito tem grau 3 de impositividade (tecnicamente esse gênio brasileiro o denomina “quanto despótico”) e também grau 3 de estabilidade das relações sócias — quer isto dizer que o Direito (a) incide independentemente de vontades e (b) consolida, firma, alicerça e assenta as trocas de convivência dentro do grupo humano onde está a viger.
 Quanto ao direito penal, o Código Penal (Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) teve a sua parte geral reformada com o advento da Lei 7.209, de 7 de julho de 1984 e, desde o então, o estado de necessidade, além da menção no artigo 23, inciso I, passou a ter definição em regra jurídica, assim:

Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
§ 2º - [...]

VConclusão. Os servidores públicos do Brasil têm direito, têm direito subjetivado, à revisão anual dos seus vencimentos, mesmo não tendo sido edictada lei a esse respeito — neste assunto só se pode excetuar é o ente estatal (pessoa jurídica de direito público) se, e quando, estiver em estado de necessidade.
Neste conceito alargado de servidor estão incluídos, claro está, os magistrados de todo o país. Posto isto, em eventual recurso extraordinário interposto em ação de direito material (ação declaratória positiva ou negativa, constitutiva positiva ou negativa, condenatória, executiva, mandamental positiva ou negativa), ação de direito material — repito — recurso extraordinário ligado a esta matéria, esperam-se do Supremo Tribunal Federal humildade e coragem bastantes para a decretação da inconstitucionalidade dessa mal pensada lei, ou então a declaração negativa da sua eficácia jurídica.

Mozar Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), promotor de justiça por pouco menos de dois anos (Estado de São Paulo), mestre e doutor em direito (USP), desembargador aposentado (Tribunal de Justiça de São Paulo), professor de direito durante 29 anos (Universidade Católica de Santos, São Paulo), advogado parecerista e escritor.






[1][1] A iniciativa, in casu, não precisa ser necessariamente do presidente da República, mas sim dos chefes de qualquer dos poderes executivos do Brasil — municípios e estados-membros (Brasil).


Já, outra matéria vem a ser o aumento de remuneração ou subsídio; aí, sim, faz-se de mister lei específica; o assunto é diferente da mera correção monetária anual. Aqui vai o que se lê nesta regra jurídica, de cunho diferente:

 

“Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas; II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; [...]”

 

[3] Leiam-se as seguintes regras jurídicas:

Art. 35 - São deveres do magistrado: I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício; II - não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar; II - determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais;  IV - tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência. V - residir na sede da Comarca salvo autorização do órgão disciplinar a que estiver subordinado; VI - comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de seu término; VIl - exercer assídua fiscalização sobre os subordinados, especialmente no que se refere à cobrança de custas e emolumentos, embora não haja reclamação das partes; VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

Art. 36 - É vedado ao magistrado: I -exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista; [...]    II - exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração; III - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.

 

Inania Verba

Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,

 
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?

 
Ardes, sangras, pregada a' tua cruz, e, em breve,

Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...

 
O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:

 

A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...


E a Palavra pesada abafa a Ideia leve,

 
Que, perfume e dano, refulgia e voava.

 
Quem o molde achará para a expressão de tudo?

 
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas

 
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?


E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?

 
E as palavras de fé que nunca foram ditas?

 
E as confissões de amor que morrem na garganta?! 
(Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac, in "Poesias")5

5 https://www.bing.com/search?q=%28Olavo+Bilac+Braz+Martins+dos+Guimar%C3%A3es+Bilac%2C+in+%22Poesias%22%29+&form=EDGSPH&mkt=pt-br&httpsmsn=1&msnews=1&plvar=0&refig=ed69df510f6846c490e6622ad294a682&PC=LCTS&sp=-1&pq=%28olavo+bilac+braz+martins+dos+guimar%C3%A3es+bilac%2C+in+%22poesias%22%29+&sc=0-61&qs=n&sk=&cvid=ed69df510f6846c490e6622ad294a682


[5] Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed., 4 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, tomo I, número 15.

Não é vedado ao homem a cognição do individual, mas constitui ela o coeficiente da intuição, da história (a despeito da   natureza   generalizante   da   linguagem), da prática e da doutrina jurídica, no que constituem provi­mentos imediatos ao individual, e não ao geral, objeto da ciência natural do direito. Não se confundem, não se digladiam, não se excluem, o conhecimento científico e os outros modos de conhecer;  cognição do geral, da lei (e pensai na de KEPLER, por exemplo), a cognição do real dos fatos,  do que os individualiza, são os dois ângulos do saber humano, as duas variedades fecundas e eternas, —- a da ciência e a intuitiva, que também se associam e se incentivam.

*

Nos homens primitivos e nas crianças, confundem-se pensamento e sen­sibilidade; a representação é cheia da emoção. Ganha em individualidade, mas não é susceptível de universalmente se comunicar. [...]

Serve de aparelho a linguagem articulada, e o pro­duto está para a realidade, como a cópia de outra cópia está para o original; quer dizer: além dos erros da pri­meira, pode tê-los próprios, sem se excluir a possibilidade da correção intencional ou inadvertida, isto é, consciente ou inconsciente. [...] Idem, tomo II, página 29.

*

[...] o direito reflete o estado do povo, como a linguagem, os costumes, a constituição social; na essência, confundem-se, e somos nós que os separamos para os estudar; a consciência do povo, o igual sentimento das necessidades internas, impede que se origine acidental e arbitrariamente o direito; o direito nasce e muda com o povo, com ele se desenvolve e com ele desaparece: à perda da individualidade do povo corresponde a morte do sistema jurídico[5]; não vive o direito na consciência do povo, sob a forma de regras abstratas, porém como concepção viva dos instintos[5], na sua íntima conexão, "die lebendige Anschauung der Rechtsinstitute in ihrem organischen Zusammenhange". [...] Idem, tomo III, página 201.

*

A [linguagem] do sentimento é imprecisa e emocional. Desde que se adote a análise, o critério da observação objetiva e da indução, os termos designarão as coisas, não as envol­verão somente e, em vez de as envolver sem as tocar, serão por elas modelados. A lei não será o que pensamos ou o que sentimos, mas o que se passa nos fatos ou que eles denunciam ser precisos. Idem, tomo IV, página 149.

*

Assim, a linguagem do raciocínio puro é vaga, como se envolvesse as coisas sem as tocar, e a precisão, que parece caracterizá-la, aparece-nos artificial e inconsistente, do sentimento é imprecisa e emocional. Desde que se adote a análise, o critério da observação objetiva e da indução, os termos designarão as coisas, não as envol­verão somente e, em vez de as envolver sem as tocar, serão por elas modelados. A lei não será o que pensamos ou o que sentimos, mas o que se passa nos fatos ou que eles denunciam ser precisos. Idem, tomo IV, página 149.

   

[7] Veja-se https://www.bcb.gov.br/Pec/metas/TabelaMetaseResultados.pdf; Histórico de Metas para a Inflação no Brasil >>1999 8 2 6-10 8,94 2000 Resolução 2.615 30/6/1999 6 2 4-8 5,97 2001 4 2 2-6 7,67 2002 Resolução 2.744 28/6/2000 3,5 2 1,5-5,5 12,53 Resolução 2.842 28/6/2001 3,25 2 1,25-5,25 Resolução 2.972 27/6/2002 4 2,5 1,5-6,5 9,30 Resolução 2.972 27/6/2002 3,75 2,5 1,25-6,25 Resolução 3.108 25/6/2003 5,5 2,5 3-8 7,60 2005 Resolução 3.108 25/6/2003 4,5 2,5 2-7 5,69 2006 Resolução 3.210 30/6/2004 4,5 2 2,5-6,5 3,14 2007 Resolução 3.291 23/62005 4,5 2 2,5-6,5 4,46 2008 Resolução 3.378 29/6/2006 4,5 2 2,5-6,5 5,90 2009 Resolução 3.463 26/6/2007 4,5 2 2,5-6,5 4,31 2010 Resolução 3.584 1/7/2008 4,5 2 2,5-6,5 5,91 2011 Resolução 3.748 30/6/2009 4,5 2 2,5-6,5 6,50 2012 Resolução 3.880 22/6/2010 4,5 2 2,5-6,5 5,84 2013 Resolução 3.991 30/6/2011 4,5 2 2,5-6,5 5,91 2014 Resolução 4.095 28/6/2012 4,5 2 2,5-6,5 6,41 2015 Resolução 4.237 28/6/2013 4,5 2 2,5-6,5 10,67 2016 Resolução 4.345 25/6/2014 4,5 2 2,5-6,5 6,29

[9] XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;

[10] XIV - os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores; [...]

[11] Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. § 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI. Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. § 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

[13] Consulte-se a respeito esta fonte do IBGE, onde se mostra o índice nacional de preços ao consumidor amplo – IPCA (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) - IBGE:

http://216.239.51.104/search?q=cache:6NiLhtFmib8J:www.portalbrasil.net/ipca.htm+%22O+IPCA+tem+por+in%C3%ADcio+o+m%C3%AAs+de+Janeiro,+do+ano+de+1980.%22&hl=en&gl=br&ct=clnk&cd=1


Mais detidamente: CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Tratado de direito administrativo. 5ª ed. 5 volumes. Rio de Janeiro - São Paulo: Freitas Bastos, 1964, vol. IV, 50-86; páginas 185-206; CRETELLA JR., José. Curso de direito administrativo. 4ª ed. rev. amp. at. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense, 1975, páginas 589-699; CRETELLA JR., José. Tratado de direito administrativo. 10 volumes. Rio de Janeiro. São Paulo: Forense, 1966-1971, volume II, páginas 341-343, vol. III, páginas 207-210 e vol. VIII, 184-219; FORSTHOFF, Ernst. Lehrbuch des Verwaltungsrechts. München-Berlin: Beck, 1961, páginas 231-248; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22ª ed. at. São Paulo: Malheiros, 1997, páginas 88-99.


[16] Leiam-se de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Os novos rumos do direito. Rio de Janeiro: Livraria Editora Leite Ribeiro, 1923, passim) e do mesmo notável jurista, Subjektivismus und Voluntarismos im Recht.  Archiv für Rechts- und Wirtschaftsphilosophie, Vol. 16, No. 4 (1922/23), páginas 522-543, notadamente as de número 536-539.


[17] Para se ler sem erros (ou com menos erros), ou seja, para se interpretar corretamente (ou menos erradamente) uma proposição jurídica, quer nos parecer ser indispensável dominar a metodologia de teoria do conhecimento; leiam-se, neste respeito, de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda A sabedoria da inteligência. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, p. 147 - 221, 1960; Garra, mão e dedo. São Paulo: Martins, 1953; A sabedoria dos instintos. 3ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960, p. 9 – 140; Epiküre der Weisheit. 2. Aufflage. München: Griff-Verlag, 1973; Meditações Anti-cartesianas. Revista Brasileira de Filosofia [Instituto Brasileiro de Filosofia]. São Paulo: Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, v. XXXI, nº 121: p. 3-13, jan./mar., 1981; O sábio e o artista. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, p. 227 – 264, 1960 e, sobretudo, O problema fundamental do conhecimento. 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972.

[19] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 60 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954-1969, felizmente atualizado pelo jurista Ovídio Rocha Barros Sandoval, http://www.sauloramos.adv.br/socios-e-associados/ovidio-rocha-barros-sandoval/ em 2.013; tomo II, 732 páginas; Editora Revista dos Tribunais. Examinar sobretudo os §§ 172, 4; 182, 2; 186, 5 e 8; 187 e 235, 6.