quarta-feira, 29 de janeiro de 2020


NECESSIDADE DE MAIS IGUALDADES SOCIAIS

A matéria intitulada acima está dividida em três capítulos: IALGO NA HISTÓRIA DA SOCIOLOGIA. Este com duas partes: A) Funcionalismo “versus” marxismo (com a sociologia de Max Weber e ideias de K. Marx). II – MUDANÇA SOCIAL: A DIFERENCIAÇÃO, a incluir A) Teoria funcional da mudança social (com estrutura e equilíbrio, processo, papel, estabilidade, modelo, valor-norma, sistema e subsistema).
A seguir B) Fontes endógenas e exógenas da mudança social, C) A diferenciação, D) A mudança resulta da diferenciação.
Este vem a ser o capítulo III: TEORIA DO CONFLITO SOCIAL, em que se trazem:  A) Preâmbulo, B) Tipos de Conflito.
Por fim o último capítulo: IV — RESUMO E BREVES CONCLUSÕES, a retomar temas como regras sociológicas relevantes, governabilidade e conflitos, conservadores e reacionários, qualidade de vida.
Eia, pois.

I — INTRODUÇÃO (ALGO NA HISTÓRIA DA SOCIOLOGIA)
Na interpretação do funcionalismo mais ingênuo – de Henry James Sumner Maine[1] e de Émile Durkheim, por exemplo – o espectro da análise histórica revela duas fases claras da estrutura social dos grupos humanos: 1) as sociedades primitivas, pequenas, intensamente coletivas; 2) as modernas, expansivas e contratuais. A coesão do grupo é, naquelas, caracterizada pela posição de sangue, coincidente com a do prestígio. O laço moral repressivo é forte. A subjetividade é pré-convencional, resultando numa solidariedade mecânica em que é mínimo o risco de desagregação, anomia e desestruturação. O sistema assim vigente estava muito distante de ameaça de implosões.
              A análise de Max Weber[2] feita em “Economia e Sociedade” é mais opulenta. Trabalha ele com os seus “tipos ideais”, mas de tal modo trançando-os e entremeando-os que a visão histórica é mais densamente descritiva e realista. A civilização primitiva apresenta uma ordem social basilar de natureza tradicional patriarcal: direção da gerontocracia. Do ponto de vista cultural prevalece o monismo sociocêntrico, com pensamento mitológico e comunicação altamente simbólica. A economia é quase exclusivamente familiar, em estado de comunismo caseiro; as trocas, quando as há, são em espécie. A consciência autônoma, na ordem do aprendizado (educação), é praticamente nenhuma. São fortes as relações concretas de dependência e lealdade incondicional (“bom filho e bom servo”).
No estágio seguinte – e passagem do arcaico para o histórico – salta-se da tradição patriarcal para a tradição patrimonial. Da visão mágico-mitológica caminha-se para uma cosmovisão metafísico-religiosa. A base econômica é a do império patrimonial; temos a dominação do sultão, do senhor feudal, do régulo absolutista (príncipe, senhor da terra). Governa ele os súditos de maneira menos direta e próxima. O começo do pensamento empírico faz soltar-se mais decididamente o pensamento, que se alça aos voos metafísicos bem como às coerências de valores indiscutíveis, cujo trançado constitui a ética de convicção. Aí atuam elites religiosas como assim de sacerdotes, de profetas e mesmo de filósofos. Pequenas cidades têm alguma autossuficiência econômica, com uma economia “natural” que se abre às perspectivas do mercado econômico. Nesta fase já se esboçam os primeiros gestos do capitalismo político. No mundo educacional dá-se o surto das universidades, como também o das igrejas.
As relações de lealdade pessoal ganham em abstração, inclusive com avanços de autonomia de consciência; a figura típica é a do “súdito obediente”. Firma-se mais acentuadamente a ética de responsabilidade: pensam-se os meios e a sua adequação técnica e moral em relação aos fins e às consequências da ação social. Medem-se forças, equacionam-se mais maduramente as circunstâncias no desempenho da eficiência. Assume-se a responsabilidade pelos resultados para além da paz de consciência decorrente (na ética de convicção) da coerência de princípios e de convicções apoiadoras de decisão, ou de luta.
Na visão weberiana o terceiro estágio da civilização é o da modernidade. Denota a diminuição crescente do despotismo em vários níveis: político, cultural, econômico e educacional. Caracteriza-se a política como relação social pelas regras do jogo do poder na organização do grupo humano e na distribuição dos focos de dominação e alianças. 
Mas a dominação adquire uma dimensão de legalidade em muitos outros casos: plebiscito, conselhos, parlamentos e burocracia.
Na instância cultural assiste-se a maior aproximação do pensamento com a consulta aos fatos. É o controle do pensamento pela experiencialidade, ou seja, pela empiria.
Os homens são “cidadãos” hoje governados por políticos profissionais. Prevalece decisivamente a ética de responsabilidade, coisa que deixa entrever-se o amadurecimento ético-cultural. O conhecimento adquire maior autonomia. A secularização da análise antropológica desmitifica a história em novo passo de “iluminismo”, agora à cata de especificidade e de demonstrações sobre o destino do homem — desponta o “desencantamento do mundo”. 
A diferenciação semiótica conduz a maior precisão do pensamento e da comunicação; a linguagem das ciências particulares ganha especificidade e confere-lhes mais exatidão, resultando isso em maior desenvoltura da pesquisa, a qual se desprende do dogmatismo da tradição.
O teocentrismo distancia-se das perspectivas humanas em termos de concepção política e de idealização do mundo. É o tempo do intelectual liberto e da emancipação da inteligência, liberta esta de imposições místicas.
 No plano econômico é a vez da economia de mercado na qual todos se apresentam como “cidadãos”, “seres livres”, aptos para contratar. No campo educacional pululam as escolas públicas. Delineia-se o tipo autônomo de consciência, mormente em face da autoridade religiosa e da ética tradicional. Os seres humanos recebem a cunhagem atual de “bons cidadãos”, de “cidadão do mundo”.
O direito era irracional e formal na “ética mágica”, irracional e material na “ética moral”, racional e material na ética “de convicção”; torna-se racional e formal. É agora lógico abstrato, dotado de principiologia jurídica própria da “ética de responsabilidade”. E também o tempo da assunção de riscos na conexão meios-fins. Aprofunda-se, ao menos na democracia liberal, a distinção entre o direito público e o direito privado. Isto depois de já ter deixado para trás, como realização das fases anteriores, o discrime entre direito civil e penal, e a distinção entre direito sagrado e direito secular.
A modernidade é, portanto de “feição contratual”, com aprofundamento da divisão do trabalho. Para a ótica funcionalista a problemática da mudança social, já registrada pela História de modo desenganado, planteia-se a lograr o equilíbrio entre persistência de identidade de certo sistema e a sua diferenciação no tempo e no espaço. A perda de identidade é sinônimo de crise, que há de ser superada pelo fato mesmo de ser desfiguramento da identidade sistêmica.
Fica bem clara a questão de controle das mudanças e de disciplinação dos conflitos como condição indispensável para não esboroar o sistema. E o funcionalismo clássico invoca a regulamentação do direito como instrumento indispensável à conservação do sistema submetido a mudanças, a fim de que não seja ele destruído.
O fato é, porém, que a sociedade moderna se complexifica com abundância e profusão de diferenças funcionais. Evidenciam-se relações de maior igualdade entre ordens parciais dissimilares. Os subsistemas multiplicam-se, como que obedecendo ao princípio físico do determinismo e à lei biológica da variabilidade. É versão sociológica da lei da integração e dilatação dos círculos sociais segundo Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda[3]. O conhecimento, a despeito da sua imensa relatividade, sobretudo no campo mesmo da sociologia, tem papel relevante, com reflexos da multifária aplicação no campo da tecnologia – esta por sua vez sob o impacto da ideologia
A vantagem metodológica que M. Weber leva sobre o funcionalismo está na circunstância de ele, como Karl Marx[4], ter sido mais penetrante e crítico em relação ao problema central do conflito, dentro dos sistemas sociais da modernidade – houve-os sempre, em épocas precedentes, mas acentuaram-se sobretudo depois da primeira revolução industrial (como se lê em https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolução_Industrial
Os funcionalistas anteriore, ao que parece, quase preferem ignorar o conflito. Adotam posição idealístico-voluntarista, como que para desfazer-se intelectualmente de um elemento indesejável. Relativizam este, crendo inclusive na neutralidade do estudioso e do governante. Quando não contornável o dito elemento indesejável, pensam ser ele uma matéria de repressão. Embora vendo com clareza as várias das iterações sociais – com que se enriqueceu a sociologia —, o velho funcionalismo deixou de desvendar a fundo a grave questão da legitimidade, com a qual determinado sistema só tem oportunidade real de desenvolver-se segundo as concepções e crenças dos seus próprios elementos em ritmo de variação dinâmica.
Sua tendência conservadora vai longe demais para conseguir traçar esquema teórico básico capaz de traçar agenda de soluções para o problema da mudança. E mudança tanto mais rápida quanto impulsionada pela instabilidade das necessidades econômicas e pelo jogo violento do poder.
Examina em suma as redações sociais de cima para baixo numa perspectiva hierarquizante, em vez de compreendê-la por dentro e por fora da lógica estatal (“lógica paraestatal”). Ora, a vantagem maior de M. Weber está justamente no fato de ele ter quase que se adiantado às próprias críticas do neomarxismo, que é o “marxismo ocidental” atual ao enfrentar o problema ético da legitimidade[5]. Buscou encher de realismo histórico a análise da crise na sua etiologia ideológica, ou seja, a tomada de consciência da crise da sociedade e da crise simultânea do Estado no esgotamento de capacitação para dar respostas a demandas, não chegou a conduzir M. Weber à superação do liberalismo agudo. Entrega-se este último à busca desesperada de solução para o problema do dilema ao menos aparentemente conflituoso de socialismo-capitalismo. 
Seja como for, Weber elevou a análise sistêmico-funcionalista a grau assaz profundo de compreensão dos problemas sociais, até com o fornecimento de paradigmas ainda válidos para o estudo do conflito e da crise com que se debate o Ocidente.
 A visão atual dos estudos sociológicos é tecida das duas visões, ambas críticas: o funcionalismo crítico de M. Weber e a crítica neomarxista (esta com evidente ênfase na transformação a caminho de crescente socialização da economia e da cultura, mas já em ambiente de democracia[6]. É por essas vertentes que perambula o pensamento ocidental à busca de refrigério para a seca da crise na polarização “legitimidade-governabilidade”.
A) Funcionalismo “versus” marxismo
A sociologia de Max Weber. O funcionalismo arrima-se sobretudo nas ideias expostas na sociologia de Max Weber. Para ele, a compreensão das relações sociais consiste em se captar o conteúdo interior, subjetivo da ação, sem atenção aos seus nexos envolventes, exteriores. Essa compreensão da ação humana leva à captação do seu sentido subjetivo. Quando o curso da ação se torna observável deste modo, é o caso de compreensão imediata, mas será de cunho explicativo se não se detém no sentido aparente, e sim aos seus motivos subjacentes da ação. Acresce que cada indivíduo exerce uma função específica na sociedade, cuja má execução denota nela mesma algo de desregramento. Nisto Weber, por sua vez acompanha as ideias de Émile Durkheim, a saber, as características da ação humana são a exterioridade e a coercibilidade. O fato social é exterior por isso que existe antes do próprio indivíduo; também é coercitivo porque a sociedade dita regra sem prévio consentimento dos sujeitos, dos indivíduos.
Ideias de K. Marx. Para Marx, as desigualdades sociais são provocadas pelas relações de produção do sistema capitalista; este divide os homens em proprietários dos meios de produção e não-proprietários destes mesmos meios, de modo que as relações entre homens se caracterizam por sistemas de oposição, antagonismo, exploração e complementaridade entre as suas classes. Com isso a história do homem vem a ser a história da luta de classes, conflito constante entre interesses opostos, muita vez calado.
Os antagonismos entre as classes subjazem a todas relações sociais, em todos os tempos a partir do surgimento da propriedade privada. Foi a organização da classe trabalhadora que veio a permitir a sua tomada de consciência e bem assim a sua mobilização para a atuação política.
A pesquisa e a práxis política labutam por aprofundar o questionamento dos valores, bem como para compreender os anseios e os movimentos complexos e profundos da sociedade nos dias de hoje. Vem sendo assim nos meios acadêmicos dos países desenvolvidos de capitalismo avançado (este a sofrer alguma intervenção do Estado Social), como também nos pesquisadores dos Povos do Terceiro Mundo sob forte influência do capitalismo internacional. Tem-se hoje a convicção teórica bastante desenvolvida no sentido de a governabilidade ser possível somente com a simultânea percepção do sentido da lógica da consciência da crise.
Pela constante comunicação entre pensadores, governantes e governados, e pela crescente participação setorizada de todo o corpo social, há esperança de se mudar o necessário e de se manter o indispensável.
A expansão transnacional da economia, EUA à frente, vem causando destruições. O “Consenso de Washington”[7] tenta manter vivos e atuantes os efeitos do neoliberalismo. Falta-lhe, porém, ocupar-se de equipar pessoas com meios de lhe serem atendidas as necessidades fundamentais: abrigo, comida, roupa, emprego, alfabetização, treinamento profissional, médico, hospital, remédio, proventos melhores na aposentadoria, lazer estimulante. Ao crescimento econômico de países mais ricos corresponde maior penúria dos já empobrecidos; nestes a distribuição de renda anda sempre perigosamente desequilibrada. O poder político mais ou menos velado das grandes empresas, sobretudo das norte-americanas, determina boa parte da orientação da mídia, esta eficiente formadora de opinião nos Estados Unidos. O pensamento deste Povo é pouco solidário em matéria de estruturações sociais, ruins, pois.
O escopo deste nosso trabalho é trazer reflexões sobre os temas ligados ao conflito social e às mudanças reclamadas pela pulsação interior de muitos milhões de pobres mundo afora. É ingente a tarefa, e urgentíssima, de se traçarem matrizes da governabilidade. A Constituição Federal tem de determinar à forma social regras jurídicas especiais, guiada pelas regras jurídicas do Direito das Gentes. Cumpre lograr-se princípio organizacional básico que viabilize a continuação da vida levada em comum e que lhe dê medidas de alcance prático em matéria de dar largas às mudanças. Sem estas, dizem estudiosos de vulto, chega-se à gravidade dos empecilhos importantes, do impasse, do próprio caos.
Observaram-se nos EUA 90% de aprovação a Bush no conflito contra o Afeganistão, isto apesar da prepotência dele àquele tempo sobre a própria ONU para mover guerra ao Iraque. Entretanto, prevalecia o interesse pelo petróleo do Mar Cáspio. Por mais de uma vez assistiu-se também à prepotência de Israel em face da ONU no inconfessável intuito de matar mais e mais palestinos — com o argumento de legítima defesa prévia. Conflitos claros, flagrantes, a que as pessoas acabam por acostumar-se como se tudo fora impossível de prevenir, ou remediar, qualquer que seja o meio legítimo para esse fim. Note-se como esse mesmo conflito prossegue no século XXI.

II – MUDANÇA SOCIAL: A DIFERENCIAÇÃO
A evolução (e o desenvolvimento) de certa estrutura social dá-se, na concepção de Talcott Parsons[8], pelo fenômeno da diferenciação. Ocorrem então distintos modelos institucionais a sucederem-se. Daí a explicação analítica para as mudanças sociais. Para se penetrar a teoria parsoniana é de mister assentarmos alguns dos seus conceitos fundamentais.

A) Teoria funcional da mudança social.
Os conceitos fundamentais na análise desse fenômeno são os seguintes: estrutura, equilíbrio, processo, papel-coletividade, modelo, valor-norma e estabilidade.
Estrutura. É o conjunto de elementos mais ou menos fixos e estáveis, susceptível de receberem alterações em fatores que também se lhe aglutinam substancialmente. Há um fundo estático de partes essenciais, que ficam; há um complemento dinâmico, composto de elementos naturais — estes se substituem e se sucedem. Assim, o quanto se passa com um corpo vivo, na biologia, é acontecimento natural que se repete, com mais complexidade e riqueza, na família, numa pequena comunidade territorial (como numa seita religiosa ou numa associação moral) no Município, no Estado-membro, na União, no Orbe
Equilíbrio. É a situação de constância suportável de certa estrutura. Trata-se de um estado de permanência relativa no seu sistema de trocas. É observável intrassistematica e extrassistematicamente: identidade de linhas relacionadas de energias no seu interior, embora o sistema em questão continue submetido a incentivos interiores e a solicitações exteriores, no sentido de disrupção, e desagregamento, e mudanças.
            Processo. É a dialética factual, real-empírica, um caminhar consistente na dinâmica interativa entre elementos perturbadores da simetria, tendentes a alterar a estrutura e as unidades estruturais empenhadas em manter a identidade essencial do sistema. Temos, portanto, dois polos lógicos e ontológicos inseparáveis: a estrutura e o processo. A estrutura mantém a ideia (e a realidade empírica) de equilíbrio, estabilidade, simetria interior, conservantismo. Já o processo conduz a alguma ruptura, desestabilização, diferenciação intrínseca; produz evolução, pois.
Papel-coletividade. Nos sistemas e subsistemas sociais, a menor unidade é o sistema. Corresponde biológica e aritmeticamente ao indivíduo.
Papel tem, porém, um sentido dinâmico de deslocamento. Duplo, aliás: (a) é a orientação que o agente imprime à via social e (b) é a modalidade de reação que ele é capaz de apresentar à ação de outro papel ou outros papéis. “Papel” é, portanto, ao mesmo tempo a orientação ativa de alguém e a modalidade passiva dele. Ora, em nível superior de complexidade, ou seja, acima dos papéis, estão as coletividades. Elas são, portanto unidades sociais mais complexas na interação social, na ação social; na vida de muitos é vista em comum.
Note-se a importância teórica da distinção entre papel e coletividades inclusive para se discutirem, mesmo em termos de uma visão neomarxista — de Klaus Offe[9], por exemplo —, as tentativas de superação das crises democráticas de governabilidade. Os papéis, se isolados, pouco têm a fazer no sentido de conseguir valor de pressão social. Podem muito mais as coletividades (partidos, associações, parlamentos.
Estabilidade é um estado de algum equilíbrio exigido pela natureza. Tem pressupostos essenciais, que são: 1) para ser estável, todo e qualquer modelo normativo (uma Constituição Federal, por exemplo) tem de ser constante no fluxo do tempo — mudar pouco, ser durável; 2) para tanto é indispensável a adequação desse modelo no qual ser e dever-ser não se distanciem sensivelmente, de tal modo que a atuação dos papéis e das coletividades tenham ações previsíveis e esperáveis; 3) é de mister que o dito “modelo” seja ao máximo institucionalizado pela via de consenso (compreensão e aceitação), de tal sorte que o ator se veja no modelo como sujeito dotado de pautas racionais de comportamento; 4) precisa o modelo normativo de ser capaz de integrar os papéis e as coletividades interiores, harmonizando complexidades, coordenando diversidades, integrando a coexistência de diferenças, assimilando o pluralismo.
           Modelo é a figura resultante da descrição das interações e das expectativas de interações no relacionamento ativo-passivo dos papéis, entre si e com as coletividades. Como uma parte dessas relações empíricas é esperada mas nem sempre realizada, segue-se que o modelo é em parte normativo (dever-ser) e em parte é puramente descritivo (ser). Ou seja, algumas interações esperam-se como adequadas ao equilíbrio dinâmico, relativo, do sistema. Como elas podem não acontecer, mas são necessários ao funcionamento do sistema, vislumbra-se então a legitimidade da sanção. Esta vem a ser, portanto, a correção, ou tentativa de correção de uma microrrotura determinada, por disfuncionalidade identificada na vida do sistema.
Valor-norma é outro binômio com que se há de trabalhar na análise das estruturas e das mudanças. O valor é um padrão regulador de alcance mais geral para determinado sistema, independentemente das condições e das considerações individualizantes de cada papel. Já a norma é um padrão regulador de determinados papéis, ou grupos de papéis, ou coletividades, deferindo-lhes as ações esperadas dentro do sistema. O conjunto das normas subordina-se portanto à abrangência mais ampla e mais profundas dos valores, cujo padrão normativo é mais complexo e menos analítico na sua explicitude.
Sistema e subsistema: a definição de papéis de coletividades, e de sistemas, é relativa. Diz respeito ao grupo de funções sociais, que se está a analisar. Assim, mesmo um papel isoladamente considerado, se o examinarmos na sua estruturação interna, mostrará “subunidades”. E o sistema integral, mirado na sua posição relativamente ao ambiente exterior, poderá exigir que se conceba apenas como subsistema, interior a um sistema mais amplo.

B) Fontes endógenas e exógenas da mudança social
O equilíbrio de um sistema social obedece à lei da inércia. Ele resiste às modificações, de modo que, para bem observarmos a arrancada das mudanças, convém identificar claramente os elementos “perturbadores” do processo, que a desencadeia e a orienta. Ora, a mudança intrínseca dos papéis tem causação exógena; consubstancia-se na pressão exercida sobretudo pelas estâncias culturais de formação social. Trata-se dos processos sociais de adaptação, os de natureza mais espiritual, que alcançam níveis mais profundos de consciência (Religião, Moral, Arte), — vista a estrutura do ser humano em linha vertical. Essa causação tem pelo menos quatro significados. O primeiro: a institucionalização de valores somente consegue ser efetiva (eficaz nos resultados) quando haja a concomitante atividade de internalizá-los de assimilá-los pela conscientização. Segundo: é de importância fundamental para a organização estatal a abertura de espaço para a integração espontânea de ideais culturais, deixando-se campo livre à produção de valores religiosos, morais, estéticos e do saber. Terceiro: as personalidades individuais mudam algo na sua estrutura em função das instituições normativas, sejam elas as mais formais (como o Direito, a política oficial, o plano econômico do governo) sejam as mais espontâneas — com as vivências religiosas, as experiências éticas e as concepções estéticas e científicas. Em quarto lugar, convém pensar em que a estabilidade, conjugada com a adequação social (esta é o acerto, a verdade intrínseca, a justiça material) adequação social, repetimos, das instituições, contribui muito para a estabilidade psicoemocional dos papéis, tornando mais “calculável” a sua conduta em face dos valores e das normas que traçam a fisionomia do sistema.
Mas temos de contar igualmente com variáveis independentes. São capazes de brotar mais ou menos isoladas dentro do sistema social, e vêm elas dotadas de potencial de mudancista. É o caso, por exemplo, do surgimento de lideranças carismáticas. Podem impulsionar mudanças “por saltos”, de modo menos previsível.
O pesquisador e escritor norte-americano Talcott Parsons — https://www.google.com/search?q=Talcott+Parsons&oq=Talcott+Parsons&aqs=chrome..69i57j0l7.3507j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8 — ocupa-se mais da ordinariedade das mudanças, numa explicação analítica que lhe parece suficiente. Para ele as instituições sociais, reduzidas à sua lógica formal, têm outra variável independente, que é a diferenciação. É esta uma variável independente, típica, importante para a compreensão do fenômeno da mudança social.

C) A diferenciação

Determinado papel percebe, em dado momento, que o sistema lhe é parco em capacidade de atendimento às suas necessidades. Uma vez mancipado, desprende-se então do sistema. Busca outro sistema mais vasto, em que se integrar. Este é, esquematicamente, o fenômeno da diferenciação, encontrável em qualquer sistema. Explica ele a mudança social, ao menos como um dos seus fatores importantes e até corriqueiros. De modo que, a insuficiência de recursos (motivacionais, ou materiais) para a consecução de metas pessoais dos papéis constitutivos de certo sistema, excita a experiência pessoal da frustração específica. Vejamos uma amostra: dentro de certa família, ou de pequena comunidade interiorana, ou de pequena empresa, o ator social sente-se adulto, independente, desadaptado tocantemente às suas esperanças e planos. Desprende-se então ele e parte ao encalço de mais ampla oportunidade, em organização social dotada de maior complexidade, e riqueza de recursos. Tem-se aí uma micro-ruptura do anterior sistema. Desprende-se um dos seus papéis, ao encalço de integração diferente: outra estrutura, novas instituições, outros valores e normas, processos culturais diversificados. Dilata-se o círculo social. Por isso que o papel divergente se muda mas leva consigo resquícios inapagáveis da linhagem de origem.
Quando esse processo de diferenciação se acentua, o sistema perde os talentos emancipados. O aguçamento do fenômeno tende então a tornar obsoleto o sistema anterior. É que esmaece nas suas potencialidades. Caminha para o esgotamento, embora a causação exógena — da opinião pública, por exemplo — possa determinar a sua reorganização intrínseca. Dá-se então um esforço, por vezes bem sucedido, de mudança do sistema. Se ele conseguir esta mudança sobreviverá, posto esteja modificado, alterado, com algo de novo na sua estrutura. As formas de sua participação social mudam-se. É o caso, por exemplo, do novo papel da mulher, da modernização dos meios de produção, de alteração dos hábitos de consumo, de alteração de mentalidades (“Weltanschaungen”) e de interesses, dos tipos de jogo nas bolsas etc. A integração dessas novas formas, nos papéis remanescentes, é contudo possível; tal acontece mediante a imposição de novas instituições formais, que são mais adequadas à nova instituição, que se esboça. 

D) A mudança resulta da diferenciação
             A governabilidade ou controle do fenômeno de diferenciação intensamente produzida depende da criação de oportunidades, de mecanismos de produção social: multiplicação de recursos, de padrões axiológicos e normativos adequados, de benefícios motivacionais e materiais, que satisfaçam aos papéis e às coletividades interiores. Para tanto é indispensável o talento criador de novas modalidades de integração social. Recursos diferenciados, outras formas de integração social. Recursos diferenciados, outras formas de produção (econômica, política e cultural), instituições modernizadas há de acolher os subsistemas dentro do sistema, que se expande. Isto implica desconcentração de poderes e de recursos para se alimentarem as novas demandas. Como se vê, a integração crescente dos círculos sociais acarreta esforço fecundo e não dispensável de “democratização” de recursos naturais. Cumpre, ao mesmo tempo em forcejar acertadamente a participação do Povo na produção e na fruição dos benefícios do trabalho social.
Essa perspectiva de expansão do sistema social, em ritmo de diferenciação, aponta para a necessidade de se diminuírem os desníveis de fortuna, de sorte, de destino — traçados pela história do individualismo possessivo, desde as sociedades primitivas marcadas pelo patriarcalismo até os nossos dias, carregados pela herança desigualizantes dos mais fortes (mais fortes inclusive no egocentrismo possessivo). 
Não se pense aqui em tiradas moralizantes. A análise da ambiguidade encontradiça na dinâmica entre estrutura e processo, levada a cabo nos resultados e exigências da diferenciação sistêmica, indica a necessidade (entre outras medidas necessárias), da diminuição gradativa (e enérgica) das desigualdades sociais que atentam contra o mínimo de expectativas humanas em termos materiais e culturais.
Impõe-se algum sacrifício de vantagens excessivas do ponto de vista das necessidades de papéis e de coletividades; não para extingui-las, mas para deslocá-las — alocação de recursos sociais, em benefício do sistema, para que possa ele subsistir, no tempo e no espaço. Nova ordem, superior em mais complexa, pede esse tipo de reabsorção de energias sociais, dos mais variados níveis ou instâncias de formação social, dos mais variados níveis ou instâncias de formação social. 
Resulta essa nova articulação do fenômeno mesmo da mudança social, normal, regular, determinado pelo fenômeno inevitável do alargamento do espaço social.
A intervenção da inteligência, a tomada de consciência da crise formada, a abertura política disposta à crítica de novas formas e de novos valores, em diálogo rítmico com as diferenciações e consequentes alterações das redes estruturais — são posturas responsáveis de maturidade exigidas pela história contemporânea. Serve a intervenção consciente ao menos para diminuir em grau ótimo as consequências do conflito, realidade social que a leitura funcionalista não enxerga com a mesma clareza que a colaboração neomarxista a viu.
É certo, portanto, que o cálculo do dissenso tolerável é cálculo da capacidade de resistência do tecido social — papéis-coletividades, estrutura-processo, valores-normas, sistemas e subsistemas, ação intrínseca e ação extrínseca. Montada a equação (ou inequação) sistêmica de oportunidades funcionais da sociedade, as soluções haverão de dar-se em três variáveis, simultâneas e relevantes: segurança para as liberdades fundamentais, expansão democrática e progresso social com metas nítidas e métodos explícitos (ética de responsabilidade).
São pressupostos e, ao mesmo tempo, programa de atividade incessante — porque contínua é a diferenciação social — de reestruturação social (organizada e consciente). Mudança e recuperação de energias, rupturas constantes e remodelação de formas integrativas — novas, diferenciadas e não necessariamente cercadas pela histeria destrutiva e medrosa do conservantismo. Novos modelos não significam, sempre, rupturas totais e início “ab ovo”, mas em readaptações profundas: crise de identidade, mas capacitação para conservar o mínimo preservável exigido pelo não-mutilamento da feição histórica de um Povo.
Modelo normativo novo é renovação de modelo, com a adoção de novas formas integrativas justamente em função das aquisições históricas. Vamos a um exemplo: crescimento em igualdades não destrói a conquista das liberdades fundamentais (entre as quais a liberdade omnímoda de iniciativa privada e de ganhos individuais praticamente ilimitados não são elementos imprescindíveis). Se não forem encontradas formas intermediárias, energicamente eficazes, (eficientes e capazes), a subida de temperatura dos conflitos e a generalização da crise poderão determinar um “salto” (“natura facit saltus”!...) para uma estrutura social quase que inteiramente diferente — justamente aquela que mais dói aos reacionários e aos arraigados espíritos conservadores. 
           Lembrança histórica é o das explosões populares. Levaram a dolorosos fechamentos sociais de esquerda, à ablação de conquistas democráticas e de muitas liberdades fundamentais. Ora, em todo o mundo assistimos a cenas desse tipo, mesmo em povos dos mais tradicionais e dominados por autocrismo conservador (China antes de 1.949, Cuba, alguns países árabes).
A nossa Constituição Federal de 1988, após a diferenciação eleitoral de 1.985 (inclusive com algo da variável independente do carisma de Tancredo Neves), tinha de conter valores globais diferenciados dos anteriores, mormente no que diz respeito à participação popular na vivência democrática e, sobretudo em normas decisivas em direção ao crescimento social. Havia de ser assim em termos de direito ao emprego produtivo, à subsistência real, à assistência médico-odontológica-hospitalar de carentes, ao acesso efetivo à educação para todos os economicamente incapazes, ao acesso à criatividade pessoal.
Essa guinada importaria em nova direção da economia, que não podia deixar de ser planificada a curto, médio e longo prazo com estratégias assumidas de realizabilidade efetiva, O planejamento havia de ser claramente exposto e discutido Os mais privilegiados tinham, já então, de ser persuadidos a fazerem concessões generosas.
Cumpre sobrevirem as técnicas de execução eficiente.
Numa palavra, há que submeter-se a revisão profunda o atual capitalismo brasileiro. A não ser assim, o sistema perde capacidade de resposta ao estímulo da diferenciação — endógenas e exógenas. É inevitável a sobrecarga na interioridade do sistema. Eclode na certa o conflito, ao menos na forma de ressentimento. Pode ocorrer o pior, que é o esgarçamento continuado do sistema por perda do ensejo de adaptação eficaz. Daí a importância da noção de conflito.
III – TEORIA DO CONFLITO SOCIAL
 A) Preâmbulo
Aos poucos vai diminuindo o abismo, ao menos aparente, que separava funcionalistas e marxistas. Parece que hoje assistimos a certo idílio entre as duas interpretações da realidade sociológica: aos marxistas de hoje no Ocidente os mais conservadores adoçam o termo com um “neo”; os neomarxistas correspondem: já não é tão crua a acusação de conservador a muitos sociólogos funcionalistas: são apenas “neofuncionalistas”. A observação mostra uma pequena diminuição do grau de relatividade do conhecimento sociológico: são dados passos eficazes de aproximação em direção a realidade ontológica, ao material complexo do trançado da vida em comum, filtrada pela seletividade do imaginário móvel, no qual todavia o conhecimento mais objetivo não se resigna ao afogamento, ao desespero, ao ceticismo. A sociologia do direito continua a trabalhar entrementes com a da dogmática jurídica. Pesquisa os elementos disfuncionais do direito, como fato social altamente sujeito às influências subtis da política: as distorções da força, por trás da aparência do justo. Um dos compartimentos dessa investigação é a crítica à teoria do direito. No que esta minimiza importante componente da realidade (a complexidade do conflito), há que lhe ressaltar a omissão, a indiferença ao social. O resultado jurídico-sistemático advém do esforço vencedor bem sucedido, que geralmente ignora o conflito de classes (dentro delas e entre elas). Isto ocorre mormente quando as classes sociais foram hierarquizadas durante o perpassar da História, num e noutro agrupamento humano, no tempo e no espaço; porque é dessa inequação ou injustiça material que as sistemáticas brotaram, de modo especial no Ocidente, depois das revoluções industriais. 
A vivência estatal, como também a experiência social incessante, não se esgota no conteúdo extraível do sistema jurídico. A maioria mesma dos indivíduos ignora a produção oficial de normas de convivência. É obscura a legitimidade de muita lei. Cabe também à sociologia do direito efetuar constatações de ausência de correspondência entre incidência e aplicação das normas jurídicas – entre “vigência” e “eficácia”, como soem expressar-se sociólogos e filósofos do direito.
Com maioria de razão toca-lhe examinar a legitimidade da regra jurídica: se a expressão dela, no seu conteúdo, atende à necessidade do equilíbrio do corpo social. Este é campo próprio da política científica, uma especialização da sociologia. Fundada nesse conhecimento, a ação política erra menos.
Cumpre testar os confrontos valorativos e os procedimentos postos a serviço da sociologia jurídica. Muitos deles são energicamente efetivos, mas não se formalizaram na dogmática jurídica. Constituem uma espécie de “lógica paraestatal do direito” . Os “direitos humanos” são quase sempre direitos a se exercitarem em face do Estado. Ora, o próprio Estado produz as normas oficiais do direito. O Estado mesmo aplica o direito por ele objetivado, para realizá-lo empiricamente — procedimento oficial de alcançar a “eficácia” da ordem jurídica. Indispensável logo, e ao mesmo tempo fecunda, é a crítica para que não se perca a consciência de crises. Estas se preparam no interior dos sistemas sociais (subsistemas) e ameaçam a própria estrutura do sistema global. Não é a crítica um empreendimento iconoclasta. Não visa à demolição do direito como fato. Sua função há de ser a renovada tomada de consciência de disfunções, de abertura de alternativas. Há de apontar soluções para as crises que venham abater-se sobre o direito vigente em decorrência da irracionalidade dos padrões de dominação. Esta é de institucionalização que se impôs. E resiste a diferenciações, a mudanças, ao reequilíbrio das relações políticas e econômicas.
Acentua Ralf Gustav Dahrendorff[10], ele um não neomarxista, ser este um fenômeno destrutivo: tentar ignorarem-se os conflitos. Corresponde, em nível sociológico, ao fato psicológico de se reprimirem os conflitos emocionais individuais. Geram neuroses e explosões nos papéis e nas coletividades. Um dos germes da relatividade do conhecimento sociológico consiste precisamente em a força das determinantes exógenas canalizarem parte da própria seletividade dos temas que se levam à tona da consciência. Mais árduo então o evitamento dos conflitos e mais lento o progresso simplesmente “funcional” dos sistemas sociais. Esperável, pois, claro está, a permanência conservantista de métodos, paradigmas, classificações e “tipos-ideais”. Bem, pois o perigo é a angústia de um “eterno retorno”: refugar as ideias e “soluções” encontradas para as diferenciações, sufocar os ímpetos de mudanças sociais. 
Nos centros de estudo dos países industrialmente avançados (em que indivíduos e grupos alcançaram grau elevado de bem-estar), a preferência é pela versão funcionalista. Acentua-se o elemento consensual com perda efetiva de visão de outro elemento não menos relevante e poderoso da realidade: a dinâmica do conflito. Não se conhece na História nenhum círculo social isento de conflito, de tal jeito que este não se pode interpretar como uma anomalia da vida. É, antes, como um fato natural, propulsor intrínseco, dimensão conatural da vida em comum, qualquer que seja o grupo humano de que se trate.
B) Tipos de Conflito
Cumpre destacar os determinantes estruturais do conflito. Vem a propósito salientar como é gerado no íntimo da sociedade. Quadra analisar as suas dimensões, as suas espécies e a sua forma de canalização (com solução ou com pseudosolução).
Conflito, em sentido amplo, é toda oposição entre os elementos de um grupo sob a forma de luta, ainda que mais ou menos inconsciente. Ele é social quando os elementos em luta são grupos da sociedade (“coletividades”, na linguagem de T. Parsons). Agora, conflito social em sentido estrito é aquele gerado dentro de uma sociedade juridicamente organizada, em cujos polos estão categorias sociais verticalmente hierarquizadas, em luta. Conflito em sentido estrito há também entre sociedades internacionais.
No conflito propriamente dito a luta não ocorre entre iguais postos em linha horizontal. Tampouco quando os grupos contendores são entre si relacionados por continência (digamos, por exemplo, o Brasil com o FMI). O problema do conflito social em sentido estrito surge quando entre os grupos se configura a dominação hierárquica, numa relação fática de subordinação. Exemplos: pais – filhos, empregados – patrões, governo – oposição (nos governos autoritários). Nos anos 80 temos EUA – Nicarágua, URSS – Afeganistão. No novo milênio temos EUA- Alqaeda, EUA-Iraque. É difícil o conceito analítico, descritivo, crítico, objetivo — de “classe”. É fundamental, para a análise e classificação dos conflitos, evitarem-se as tiradas ideologizantes, as generalizações estéreis, os unilateralismos simplistas de divisão de classes. Tal é o caso, por exemplo, de chavões acríticos do tipo “o motor da história é a luta de classes”. 
Nos conflitos sociais em sentido estrito o próprio conceito de classe é relativo. Há que se trabalhar com ele em tomada de consciência de se estar lidando com um “tipo ideal”. Isto, posto seja mais ou menos denso de alguns elementos característicos, não esgota todo o potencial dos conflitos historicamente importantes e decisivos. É que empiricamente nem todas as sociedades apresentam os mesmos tipos de conflito. Nem pesa em todas elas, para a dinâmica das mudanças sociais, conflitos de mesma natureza. 
               Estruturas diferentes podem dar surgimento a conflitos diversamente importantes. Todavia, os conflitos mais “gerais”, mais encontradiços, estatisticamente mais determinantes, soem ter o conteúdo de relações de poder e relações de produção. Ou seja, os conflitos mais comuns são os do subsistema político e os do subsistema econômico. Na Política e na Economia é onde encontramos as relações mais conflituosas.
Diante do fenômeno, duas leituras do mesmo fato contrapõem-se em paradigmas de interpretação: o funcionalismo frisa o aspecto consensual, o marxismo o conteúdo da fricção social. A seletividade preferencial do elemento consensual (pacto, integração) é pelo menos tão velha quanto Roussel.

IV — RESUMO E BREVES CONCLUSÕES

Regras sociológicas relevantes. No correr da história verifica-se que o despotismo vai a pouco e pouco diminuindo. É, pois, verdadeira a tese de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda[11] a respeito da “diminuição do quantum despótico”, transitório por causa do outro princípio — o da estabilidade crescente[12]. Também o aumento do conhecimento científico desenvolve a estabilidade porque a crença, se for só simbólica, frequentemente causa temores infundados e assim desestabiliza.
Funcionam igualmente outras duas leis: a da integração e a da dilatação dos círculos sociais; com elas a harmonia ou estabilidade prospera mais rapidamente. É coisa diferente da extinção dos conflitos; seguem estes na sua própria existência “enquanto o homem for homem”.  Segundo o funcionalismo tais conflitos resolvem-se por força da própria natureza. Já o marxismo traça acentuadamente o caráter antagônico da convivência. 
Governabilidade e conflitos. O Estado é criação do Povo (sociedade), não o “senhor” dele. O pensamento e o sentimento, livres ambos, precisam de regras jurídicas a garantirem as liberdades fundamentais (como vigem hoje na Constituição Federal de 1988). Somente com elas ocorre a governabilidade “sustentável”, a saber, suportável pelo modo de ser da natureza humana. Para a realização dela muitos conflitos surgem; entre os processos sociais de adaptação mais diretamente ligados à mitigação dos conflitos talvez sejam a religião, a moral, as artes e o Direito cuja característica maior consiste no fato de a incidência das suas normas estar fora de dependência da vontade daqueles a que se dirigem, assim como porque vige acima do direito estatal o Direito das Gentes ou direito supraestatal.
A lentidão nas mudanças sociais é natural. A “lei da inércia” provoca a lentidão das mudanças sociais, de modo que só em processus, mui paulatinamente se logra algum grau de equilíbrio no interior dos Povos e nas relações entre os Povos — a harmonia, a paz.  De outro lado, as individualidades de cada povo variam consideravelmente; esta realidade leva às diferenciações temporais no tocante ao modo de as mudanças de efetivarem numa e noutra parte da Terra em tempos distintos. Seria errônea, portanto, a generalização feita sem atenção cuidadosa e prolongada aos fatos empíricos. Uma vez mais se verifica a importância fundamental do método indutivo experimental ou científico.  Foi ele detidamente estudado e exposto pelo gênio brasileiro de Pontes de Miranda.           
            Injustiça social, violência e paz. Parece certo, contudo, que os excessos de diferença em poder político e econômico geram atritos e conflitos sem conta — uns poucos cidadãos repletos de poder e com muito dinheiro, outros com quase nada (geralmente a maioria das pessoas pobres). É previsível o aumento de criminalidade nas classes assim mais empobrecidas da população. O Brasil, por exemplo, figura entre os onze países de mais criminalidade em todo o mundo, como se vê nas estatísticas[13]. Também este é um indício de que, longe de visões ideológicas, menos desigualdade traz mais paz — paz de espírito para as individualidades e paz mais geral para as sociedades (Povos).
Negar a existência de conflitos sociais, é tentar afastar das ideias e dos sentimentos a evidência de fatos empiricamente muito conhecidos, como se sabe em psicologia. Trata-se, logo, de erro de julgamento perigoso para todo pesquisador responsável. Ora bem, os conflitos apresentam-se em elevado grau de relatividade¸ de modo que podem eles ser reduzidos com medidas que, em outros lugares e tempos, terão quiçá os efeitos contrários. Uma vez mais: para o pensador responsável é importante educar-se com elementos de ciência positiva em que filosofar e poetar sejam elementos ou dados a afastarem-se do conhecimento — o que há de mister é conhecimento mais rigoroso, mais exato, mais preciso.
Conservadores e reacionários. O crescimento de todas e todos em igualdade, o esforço em diminuir ao máximo as desigualdades, são ideias que, para os conservadores, e mais ainda para os retrógrados ou reacionários, parecem “assunto de comunista”. São pessoas tomadas pelo medo de perdas, ou tomadas de ódio por quem pretende mudanças no prol de outrem mais desguarnecido seja pela natureza seja pela degradação socialmente imposta pelos mais poderosos e mais ricos. 
Qualidade de vida. Por fim temos de dizer que o Estado, ou o Povo, que não cuidar de corajosamente aplicar estruturas jurídicas conducentes à diminuição das desigualdades sociais, será um Povo com problemas continuados em mal-estar público.  Faltar-lhe-ão paz, estabilidade, boa qualidade de vida. 
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Bibliografia e referências
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979.
_______. Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed., 4 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972.
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Finis coronat opus
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Mozar Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), desembargador aposentado (Tribunal de Justiça de São Paulo), professor aposentado de direito (Universidade Católica de Santos, São Paulo).






[6] São três os caminhos a seguir pelo Povo buscador de “qualidade de vida” (Democracia, liberdade e igualdade; leia-se PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979. Um jornalista brasileiro reconhecido como competente conta com artigo publicado no jornal Folha de São Paulo a respeito da insuficiência da só democracia, a despeito do seu valor. Está em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/199278-democracia-e-ideal-mas-nao-basta.shtml
 
[12] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed., 4 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972; tomo I, página 203.


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