NECESSIDADE DE MAIS
IGUALDADES SOCIAIS
A matéria intitulada acima está dividida em três capítulos: I — ALGO
NA HISTÓRIA DA SOCIOLOGIA. Este com
duas partes: A) Funcionalismo “versus” marxismo (com a sociologia de Max
Weber e ideias de K. Marx). II – MUDANÇA SOCIAL: A DIFERENCIAÇÃO, a incluir A) Teoria funcional da mudança social (com estrutura e equilíbrio, processo,
papel, estabilidade, modelo, valor-norma, sistema e subsistema).
A seguir B) Fontes endógenas e exógenas da mudança social, C) A diferenciação,
D) A mudança resulta da diferenciação.
Este vem a ser o capítulo III:
TEORIA DO CONFLITO SOCIAL, em que se trazem: A)
Preâmbulo, B) Tipos de Conflito.
Por fim o último capítulo: IV — RESUMO E BREVES CONCLUSÕES, a retomar
temas como regras sociológicas relevantes, governabilidade e conflitos, conservadores e
reacionários, qualidade de vida.
Eia, pois.
I —
INTRODUÇÃO (ALGO NA HISTÓRIA DA SOCIOLOGIA)
Na interpretação do
funcionalismo mais ingênuo – de Henry James Sumner Maine[1] e de Émile Durkheim, por exemplo – o espectro da análise histórica revela duas fases
claras da estrutura social dos grupos humanos: 1) as sociedades primitivas,
pequenas, intensamente coletivas; 2) as modernas, expansivas e contratuais. A
coesão do grupo é, naquelas, caracterizada pela posição de sangue, coincidente
com a do prestígio. O laço moral repressivo é forte. A subjetividade é
pré-convencional, resultando numa solidariedade mecânica em que é mínimo o
risco de desagregação, anomia e desestruturação. O sistema assim vigente estava
muito distante de ameaça de implosões.
A análise de Max Weber[2] feita em “Economia e Sociedade” é mais opulenta. Trabalha ele com os seus “tipos ideais”, mas de tal modo trançando-os e entremeando-os que a visão histórica é mais densamente descritiva e realista. A civilização primitiva apresenta uma ordem social basilar de natureza tradicional patriarcal: direção da gerontocracia. Do ponto de vista cultural prevalece o monismo sociocêntrico, com pensamento mitológico e comunicação altamente simbólica. A economia é quase exclusivamente familiar, em estado de comunismo caseiro; as trocas, quando as há, são em espécie. A consciência autônoma, na ordem do aprendizado (educação), é praticamente nenhuma. São fortes as relações concretas de dependência e lealdade incondicional (“bom filho e bom servo”).
A análise de Max Weber[2] feita em “Economia e Sociedade” é mais opulenta. Trabalha ele com os seus “tipos ideais”, mas de tal modo trançando-os e entremeando-os que a visão histórica é mais densamente descritiva e realista. A civilização primitiva apresenta uma ordem social basilar de natureza tradicional patriarcal: direção da gerontocracia. Do ponto de vista cultural prevalece o monismo sociocêntrico, com pensamento mitológico e comunicação altamente simbólica. A economia é quase exclusivamente familiar, em estado de comunismo caseiro; as trocas, quando as há, são em espécie. A consciência autônoma, na ordem do aprendizado (educação), é praticamente nenhuma. São fortes as relações concretas de dependência e lealdade incondicional (“bom filho e bom servo”).
No estágio seguinte – e
passagem do arcaico para o histórico – salta-se da tradição patriarcal para a
tradição patrimonial. Da visão mágico-mitológica caminha-se para uma cosmovisão
metafísico-religiosa. A base econômica é a do império patrimonial; temos a
dominação do sultão, do senhor feudal, do régulo absolutista (príncipe, senhor
da terra). Governa ele os súditos de maneira menos direta e próxima. O começo
do pensamento empírico faz soltar-se mais decididamente o pensamento, que se
alça aos voos metafísicos bem como às coerências de valores indiscutíveis, cujo
trançado constitui a ética de convicção. Aí atuam elites religiosas como assim
de sacerdotes, de profetas e mesmo de filósofos. Pequenas cidades têm alguma autossuficiência
econômica, com uma economia “natural” que se abre às perspectivas do mercado
econômico. Nesta fase já se esboçam os primeiros gestos do capitalismo
político. No mundo educacional dá-se o surto das universidades, como também o
das igrejas.
As relações de lealdade
pessoal ganham em abstração, inclusive com avanços de autonomia de consciência;
a figura típica é a do “súdito obediente”. Firma-se mais acentuadamente a ética
de responsabilidade: pensam-se os meios e a sua adequação técnica e moral em
relação aos fins e às consequências da ação social. Medem-se forças,
equacionam-se mais maduramente as circunstâncias no desempenho da eficiência.
Assume-se a responsabilidade pelos resultados para além da paz de consciência
decorrente (na ética de convicção) da coerência de princípios e de convicções apoiadoras
de decisão, ou de luta.
Na visão weberiana o
terceiro estágio da civilização é o da modernidade. Denota a diminuição
crescente do despotismo em vários níveis: político, cultural, econômico e
educacional. Caracteriza-se a política como relação social pelas regras do jogo
do poder na organização do grupo humano e na distribuição dos focos de
dominação e alianças.
Mas a dominação adquire uma dimensão de legalidade em muitos outros casos: plebiscito, conselhos, parlamentos e burocracia.
Mas a dominação adquire uma dimensão de legalidade em muitos outros casos: plebiscito, conselhos, parlamentos e burocracia.
Na instância cultural
assiste-se a maior aproximação do pensamento com a consulta aos fatos. É o
controle do pensamento pela experiencialidade, ou seja, pela empiria.
Os homens são “cidadãos”
hoje governados por políticos profissionais. Prevalece decisivamente a ética de
responsabilidade, coisa que deixa entrever-se o amadurecimento ético-cultural.
O conhecimento adquire maior autonomia. A secularização da análise antropológica
desmitifica a história em novo passo de “iluminismo”, agora à cata de especificidade
e de demonstrações sobre o destino do homem — desponta o “desencantamento do
mundo”.
A diferenciação semiótica
conduz a maior precisão do pensamento e da comunicação; a linguagem das
ciências particulares ganha especificidade e confere-lhes mais exatidão,
resultando isso em maior desenvoltura da pesquisa, a qual se desprende do
dogmatismo da tradição.
O teocentrismo distancia-se
das perspectivas humanas em termos de concepção política e de idealização do
mundo. É o tempo do intelectual liberto e da emancipação da inteligência, liberta
esta de imposições místicas.
No plano econômico é a vez da economia de mercado na qual todos se
apresentam como “cidadãos”, “seres livres”, aptos para contratar. No campo
educacional pululam as escolas públicas. Delineia-se o tipo autônomo de
consciência, mormente em face da autoridade religiosa e da ética tradicional.
Os seres humanos recebem a cunhagem atual de “bons cidadãos”, de “cidadão do
mundo”.
O direito era irracional e
formal na “ética mágica”, irracional e material na “ética moral”, racional e
material na ética “de convicção”; torna-se racional e formal. É agora lógico abstrato,
dotado de principiologia jurídica própria da “ética de responsabilidade”. E
também o tempo da assunção de riscos na conexão meios-fins. Aprofunda-se, ao
menos na democracia liberal, a distinção entre o direito público e o direito
privado. Isto depois de já ter deixado para trás, como realização das fases
anteriores, o discrime entre direito civil e penal, e a distinção entre direito
sagrado e direito secular.
A modernidade é, portanto de “feição contratual”, com aprofundamento da divisão do trabalho. Para a ótica funcionalista a problemática da mudança social, já registrada pela História de modo desenganado, planteia-se a lograr o equilíbrio entre persistência de identidade de certo sistema e a sua diferenciação no tempo e no espaço. A perda de identidade é sinônimo de crise, que há de ser superada pelo fato mesmo de ser desfiguramento da identidade sistêmica.
A modernidade é, portanto de “feição contratual”, com aprofundamento da divisão do trabalho. Para a ótica funcionalista a problemática da mudança social, já registrada pela História de modo desenganado, planteia-se a lograr o equilíbrio entre persistência de identidade de certo sistema e a sua diferenciação no tempo e no espaço. A perda de identidade é sinônimo de crise, que há de ser superada pelo fato mesmo de ser desfiguramento da identidade sistêmica.
Fica bem clara a questão de
controle das mudanças e de disciplinação dos conflitos como condição
indispensável para não esboroar o sistema. E o funcionalismo clássico invoca a
regulamentação do direito como instrumento indispensável à conservação do
sistema submetido a mudanças, a fim de que não seja ele destruído.
O fato é, porém, que a
sociedade moderna se complexifica com abundância e profusão de diferenças
funcionais. Evidenciam-se relações de maior igualdade entre ordens parciais
dissimilares. Os subsistemas multiplicam-se, como que obedecendo ao princípio
físico do determinismo e à lei biológica da variabilidade. É versão sociológica
da lei da integração e dilatação dos
círculos sociais segundo Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda[3]. O
conhecimento, a despeito da sua imensa relatividade, sobretudo no campo mesmo
da sociologia, tem papel relevante, com reflexos da multifária aplicação no
campo da tecnologia – esta por sua vez sob o impacto da ideologia
A vantagem metodológica que
M. Weber leva sobre o funcionalismo está na circunstância de ele, como Karl
Marx[4], ter
sido mais penetrante e crítico em relação ao problema central do conflito,
dentro dos sistemas sociais da modernidade – houve-os sempre, em épocas
precedentes, mas acentuaram-se sobretudo depois da primeira revolução industrial
(como se lê em https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolução_Industrial
Os funcionalistas anteriore,
ao que parece, quase preferem ignorar o conflito. Adotam posição
idealístico-voluntarista, como que para desfazer-se intelectualmente de um
elemento indesejável. Relativizam este, crendo inclusive na neutralidade do
estudioso e do governante. Quando não contornável o dito elemento indesejável,
pensam ser ele uma matéria de repressão. Embora vendo com clareza as várias das
iterações sociais – com que se enriqueceu a sociologia —, o velho funcionalismo
deixou de desvendar a fundo a grave questão da legitimidade, com a qual
determinado sistema só tem oportunidade real de desenvolver-se segundo as
concepções e crenças dos seus próprios elementos em ritmo de variação dinâmica.
Sua tendência conservadora
vai longe demais para conseguir traçar esquema teórico básico capaz de traçar
agenda de soluções para o problema da
mudança. E mudança tanto mais rápida quanto impulsionada pela instabilidade
das necessidades econômicas e pelo jogo violento do poder.
Examina em suma as redações
sociais de cima para baixo numa perspectiva hierarquizante, em vez de
compreendê-la por dentro e por fora da lógica estatal (“lógica paraestatal”).
Ora, a vantagem maior de M. Weber está justamente no fato de ele ter quase que
se adiantado às próprias críticas do neomarxismo, que é o “marxismo ocidental”
atual ao enfrentar o problema ético da legitimidade[5]. Buscou
encher de realismo histórico a análise da crise na sua etiologia ideológica, ou
seja, a tomada de consciência da crise da sociedade e da crise simultânea do
Estado no esgotamento de capacitação para dar respostas a demandas, não chegou
a conduzir M. Weber à superação do liberalismo agudo. Entrega-se este último à
busca desesperada de solução para o problema do dilema ao menos aparentemente
conflituoso de socialismo-capitalismo.
Seja
como for, Weber elevou a
análise sistêmico-funcionalista a grau assaz profundo de compreensão dos
problemas sociais, até com o fornecimento de paradigmas ainda válidos para o
estudo do conflito e da crise com que se debate o Ocidente.
A visão atual dos estudos sociológicos é
tecida das duas visões, ambas críticas: o funcionalismo crítico de M. Weber e a
crítica neomarxista (esta com evidente ênfase na transformação a caminho de
crescente socialização da economia e da cultura, mas já em ambiente de
democracia[6]. É por
essas vertentes que perambula o pensamento ocidental à busca de refrigério para
a seca da crise na polarização “legitimidade-governabilidade”.
A) Funcionalismo
“versus” marxismo
A sociologia de Max Weber. O funcionalismo arrima-se sobretudo nas
ideias expostas na sociologia de Max Weber. Para ele, a compreensão das
relações sociais consiste em se captar o conteúdo interior, subjetivo da ação,
sem atenção aos seus nexos envolventes, exteriores. Essa compreensão da ação
humana leva à captação do seu sentido subjetivo. Quando o curso da ação se
torna observável deste modo, é o caso de compreensão imediata, mas será de
cunho explicativo se não se detém no sentido aparente, e sim aos seus motivos
subjacentes da ação. Acresce que cada indivíduo exerce uma função específica na
sociedade, cuja má execução denota nela mesma algo de desregramento. Nisto
Weber, por sua vez acompanha as ideias de Émile Durkheim, a saber, as
características da ação humana são a exterioridade
e a coercibilidade. O fato social é
exterior por isso que existe antes do próprio indivíduo; também é coercitivo
porque a sociedade dita regra sem prévio consentimento dos sujeitos, dos indivíduos.
Ideias de K. Marx. Para Marx, as desigualdades sociais são provocadas pelas relações
de produção do sistema capitalista; este divide os homens em proprietários dos
meios de produção e não-proprietários destes mesmos meios, de modo que as
relações entre homens se caracterizam por sistemas de oposição, antagonismo,
exploração e complementaridade entre as suas classes. Com isso a história do
homem vem a ser a história da luta de classes, conflito constante entre
interesses opostos, muita vez calado.
Os antagonismos
entre as classes subjazem a todas relações sociais, em todos os tempos a partir
do surgimento da propriedade privada. Foi a organização da classe trabalhadora
que veio a permitir a sua tomada de consciência e bem assim a sua mobilização
para a atuação política.
A pesquisa e a práxis
política labutam por aprofundar o questionamento dos valores, bem como para
compreender os anseios e os movimentos complexos e profundos da sociedade nos
dias de hoje. Vem sendo assim nos meios acadêmicos dos países desenvolvidos de
capitalismo avançado (este a sofrer alguma intervenção do Estado Social), como
também nos pesquisadores dos Povos do Terceiro Mundo sob forte influência do
capitalismo internacional. Tem-se hoje a convicção teórica bastante desenvolvida
no sentido de a governabilidade ser possível somente com a simultânea percepção
do sentido da lógica da consciência da crise.
Pela constante comunicação
entre pensadores, governantes e governados, e pela crescente participação
setorizada de todo o corpo social, há esperança de se mudar o necessário e de se manter
o indispensável.
A expansão transnacional da
economia, EUA à frente, vem causando destruições. O “Consenso de Washington”[7] tenta
manter vivos e atuantes os efeitos do neoliberalismo. Falta-lhe, porém,
ocupar-se de equipar pessoas com meios de lhe serem atendidas as necessidades
fundamentais: abrigo, comida, roupa, emprego, alfabetização, treinamento
profissional, médico, hospital, remédio, proventos melhores na aposentadoria,
lazer estimulante. Ao crescimento econômico de países mais ricos corresponde
maior penúria dos já empobrecidos; nestes a distribuição de renda anda sempre
perigosamente desequilibrada. O poder político mais ou menos velado das grandes
empresas, sobretudo das norte-americanas, determina boa parte da orientação da
mídia, esta eficiente formadora de opinião nos Estados Unidos. O pensamento
deste Povo é pouco solidário em matéria de estruturações sociais, ruins, pois.
O escopo deste nosso
trabalho é trazer reflexões sobre os temas ligados ao conflito social e às
mudanças reclamadas pela pulsação interior de muitos milhões de pobres mundo
afora. É ingente a tarefa, e urgentíssima, de se traçarem matrizes da
governabilidade. A Constituição Federal tem de determinar à forma social regras
jurídicas especiais, guiada pelas regras jurídicas do Direito das Gentes.
Cumpre lograr-se princípio organizacional básico que viabilize a continuação da
vida levada em comum e que lhe dê medidas de alcance prático em matéria de dar
largas às mudanças. Sem estas, dizem estudiosos de vulto, chega-se à gravidade
dos empecilhos importantes, do impasse, do próprio caos.
Observaram-se nos EUA 90%
de aprovação a Bush no conflito contra o Afeganistão, isto apesar da
prepotência dele àquele tempo sobre a própria ONU para mover guerra ao Iraque.
Entretanto, prevalecia o interesse pelo petróleo do Mar Cáspio. Por mais de uma
vez assistiu-se também à prepotência de Israel em face da ONU no inconfessável
intuito de matar mais e mais palestinos — com o argumento de legítima defesa
prévia. Conflitos claros, flagrantes, a que as pessoas acabam por acostumar-se
como se tudo fora impossível de prevenir, ou remediar, qualquer que seja o meio
legítimo para esse fim. Note-se como esse mesmo conflito prossegue no século XXI.
II
– MUDANÇA SOCIAL: A DIFERENCIAÇÃO
A evolução (e o
desenvolvimento) de certa estrutura social dá-se, na concepção de Talcott
Parsons[8], pelo
fenômeno da diferenciação. Ocorrem então distintos modelos institucionais a
sucederem-se. Daí a explicação analítica para as mudanças sociais. Para se
penetrar a teoria parsoniana é de mister assentarmos alguns dos seus conceitos
fundamentais.
A) Teoria funcional da mudança social.
Os conceitos fundamentais na análise
desse fenômeno são os seguintes: estrutura, equilíbrio, processo,
papel-coletividade, modelo, valor-norma e estabilidade.
Estrutura.
É o conjunto de elementos mais ou menos fixos e estáveis, susceptível de
receberem alterações em fatores que também se lhe aglutinam substancialmente.
Há um fundo estático de partes essenciais, que ficam; há um complemento
dinâmico, composto de elementos naturais — estes se substituem e se sucedem.
Assim, o quanto se passa com um corpo vivo, na biologia, é acontecimento
natural que se repete, com mais complexidade e riqueza, na família, numa
pequena comunidade territorial (como numa seita religiosa ou numa associação
moral) no Município, no Estado-membro, na União, no Orbe
Equilíbrio.
É a situação de constância suportável de certa estrutura. Trata-se de um estado
de permanência relativa no seu sistema de trocas. É observável intrassistematica
e extrassistematicamente: identidade de linhas relacionadas de energias no seu
interior, embora o sistema em questão continue submetido a incentivos
interiores e a solicitações exteriores, no sentido de disrupção, e
desagregamento, e mudanças.
Processo. É a dialética factual, real-empírica, um caminhar consistente na dinâmica interativa entre elementos perturbadores da simetria, tendentes a alterar a estrutura e as unidades estruturais empenhadas em manter a identidade essencial do sistema. Temos, portanto, dois polos lógicos e ontológicos inseparáveis: a estrutura e o processo. A estrutura mantém a ideia (e a realidade empírica) de equilíbrio, estabilidade, simetria interior, conservantismo. Já o processo conduz a alguma ruptura, desestabilização, diferenciação intrínseca; produz evolução, pois.
Papel-coletividade. Nos sistemas e subsistemas sociais, a menor unidade é o sistema. Corresponde biológica e aritmeticamente ao indivíduo.
Processo. É a dialética factual, real-empírica, um caminhar consistente na dinâmica interativa entre elementos perturbadores da simetria, tendentes a alterar a estrutura e as unidades estruturais empenhadas em manter a identidade essencial do sistema. Temos, portanto, dois polos lógicos e ontológicos inseparáveis: a estrutura e o processo. A estrutura mantém a ideia (e a realidade empírica) de equilíbrio, estabilidade, simetria interior, conservantismo. Já o processo conduz a alguma ruptura, desestabilização, diferenciação intrínseca; produz evolução, pois.
Papel-coletividade. Nos sistemas e subsistemas sociais, a menor unidade é o sistema. Corresponde biológica e aritmeticamente ao indivíduo.
Papel
tem, porém, um sentido dinâmico de deslocamento. Duplo, aliás: (a) é a
orientação que o agente imprime à via social e (b) é a modalidade de reação que
ele é capaz de apresentar à ação de outro papel ou outros papéis. “Papel” é,
portanto, ao mesmo tempo a orientação ativa de alguém e a modalidade passiva
dele. Ora, em nível superior de complexidade, ou seja, acima dos papéis, estão
as coletividades. Elas são, portanto unidades sociais mais complexas na interação
social, na ação social; na vida de muitos é vista em comum.
Note-se a importância teórica da
distinção entre papel e coletividades inclusive para se discutirem, mesmo em
termos de uma visão neomarxista — de Klaus Offe[9], por exemplo —, as
tentativas de superação das crises democráticas de governabilidade. Os papéis,
se isolados, pouco têm a fazer no sentido de conseguir valor de pressão social.
Podem muito mais as coletividades (partidos, associações, parlamentos.
Estabilidade
é um estado de algum equilíbrio exigido pela natureza. Tem pressupostos
essenciais, que são: 1) para ser estável, todo e qualquer modelo normativo (uma
Constituição Federal, por exemplo) tem de ser constante no fluxo do tempo —
mudar pouco, ser durável; 2) para tanto é indispensável a adequação desse
modelo no qual ser e dever-ser não se distanciem sensivelmente, de tal modo que
a atuação dos papéis e das coletividades tenham ações previsíveis e esperáveis;
3) é de mister que o dito “modelo” seja ao máximo institucionalizado pela via
de consenso (compreensão e aceitação), de tal sorte que o ator se veja no
modelo como sujeito dotado de pautas racionais de comportamento; 4) precisa o
modelo normativo de ser capaz de integrar os papéis e as coletividades
interiores, harmonizando complexidades, coordenando diversidades, integrando a coexistência de diferenças, assimilando
o pluralismo.
Modelo é a figura resultante da descrição das interações e das expectativas de interações no relacionamento ativo-passivo dos papéis, entre si e com as coletividades. Como uma parte dessas relações empíricas é esperada mas nem sempre realizada, segue-se que o modelo é em parte normativo (dever-ser) e em parte é puramente descritivo (ser). Ou seja, algumas interações esperam-se como adequadas ao equilíbrio dinâmico, relativo, do sistema. Como elas podem não acontecer, mas são necessários ao funcionamento do sistema, vislumbra-se então a legitimidade da sanção. Esta vem a ser, portanto, a correção, ou tentativa de correção de uma microrrotura determinada, por disfuncionalidade identificada na vida do sistema.
Modelo é a figura resultante da descrição das interações e das expectativas de interações no relacionamento ativo-passivo dos papéis, entre si e com as coletividades. Como uma parte dessas relações empíricas é esperada mas nem sempre realizada, segue-se que o modelo é em parte normativo (dever-ser) e em parte é puramente descritivo (ser). Ou seja, algumas interações esperam-se como adequadas ao equilíbrio dinâmico, relativo, do sistema. Como elas podem não acontecer, mas são necessários ao funcionamento do sistema, vislumbra-se então a legitimidade da sanção. Esta vem a ser, portanto, a correção, ou tentativa de correção de uma microrrotura determinada, por disfuncionalidade identificada na vida do sistema.
Valor-norma
é outro binômio com que se há de trabalhar na análise das estruturas e das
mudanças. O valor é um padrão regulador de alcance mais geral para determinado
sistema, independentemente das condições e das considerações individualizantes
de cada papel. Já a norma é um padrão regulador de determinados papéis, ou
grupos de papéis, ou coletividades, deferindo-lhes as ações esperadas dentro do
sistema. O conjunto das normas subordina-se portanto à abrangência mais ampla e
mais profundas dos valores, cujo padrão normativo é mais complexo e menos
analítico na sua explicitude.
Sistema
e subsistema: a definição de papéis de
coletividades, e de sistemas, é relativa. Diz respeito ao grupo de funções
sociais, que se está a analisar. Assim, mesmo um papel isoladamente
considerado, se o examinarmos na sua estruturação interna, mostrará
“subunidades”. E o sistema integral, mirado na sua posição relativamente ao
ambiente exterior, poderá exigir que se conceba apenas como subsistema,
interior a um sistema mais amplo.
B)
Fontes endógenas e exógenas da mudança social
O equilíbrio de
um sistema social obedece à lei da inércia. Ele resiste às modificações, de
modo que, para bem observarmos a arrancada das mudanças, convém identificar
claramente os elementos “perturbadores” do processo, que a desencadeia e a
orienta. Ora, a mudança intrínseca dos papéis tem causação exógena;
consubstancia-se na pressão exercida sobretudo pelas estâncias culturais de formação
social. Trata-se dos processos sociais de adaptação, os de natureza mais
espiritual, que alcançam níveis mais profundos de consciência (Religião, Moral,
Arte), — vista a estrutura do ser humano em linha vertical. Essa causação tem
pelo menos quatro significados. O primeiro: a institucionalização de valores
somente consegue ser efetiva (eficaz nos resultados) quando haja a concomitante
atividade de internalizá-los de assimilá-los pela conscientização. Segundo: é
de importância fundamental para a organização estatal a abertura de espaço para
a integração espontânea de ideais culturais, deixando-se campo livre à produção
de valores religiosos, morais, estéticos e do saber. Terceiro: as
personalidades individuais mudam algo na sua estrutura em função das instituições
normativas, sejam elas as mais formais (como o Direito, a política oficial, o
plano econômico do governo) sejam as mais espontâneas — com as vivências
religiosas, as experiências éticas e as concepções estéticas e científicas. Em
quarto lugar, convém pensar em que a estabilidade, conjugada com a adequação
social (esta é o acerto, a verdade intrínseca, a justiça material) adequação
social, repetimos, das instituições, contribui muito para a estabilidade
psicoemocional dos papéis, tornando mais “calculável” a sua conduta em face dos
valores e das normas que traçam a fisionomia do sistema.
Mas temos de contar igualmente com
variáveis independentes. São capazes de brotar mais ou menos isoladas dentro do
sistema social, e vêm elas dotadas de potencial de mudancista. É o caso, por
exemplo, do surgimento de lideranças carismáticas. Podem impulsionar mudanças
“por saltos”, de modo menos previsível.
O pesquisador e escritor
norte-americano Talcott Parsons — https://www.google.com/search?q=Talcott+Parsons&oq=Talcott+Parsons&aqs=chrome..69i57j0l7.3507j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8
— ocupa-se mais da ordinariedade das mudanças, numa explicação analítica que
lhe parece suficiente. Para ele as instituições sociais, reduzidas à sua lógica
formal, têm outra variável independente, que é a diferenciação. É esta uma variável
independente, típica, importante para a compreensão do fenômeno da mudança
social.
C) A diferenciação
Determinado papel percebe, em dado
momento, que o sistema lhe é parco em capacidade de atendimento às suas
necessidades. Uma vez mancipado, desprende-se então do sistema. Busca outro sistema
mais vasto, em que se integrar. Este é, esquematicamente, o fenômeno da
diferenciação, encontrável em qualquer sistema. Explica ele a mudança social,
ao menos como um dos seus fatores importantes e até corriqueiros. De modo que,
a insuficiência de recursos (motivacionais, ou materiais) para a consecução de
metas pessoais dos papéis constitutivos de certo sistema, excita a experiência
pessoal da frustração específica. Vejamos uma amostra: dentro de certa família,
ou de pequena comunidade interiorana, ou de pequena empresa, o ator social
sente-se adulto, independente, desadaptado tocantemente às suas esperanças e
planos. Desprende-se então ele e parte ao encalço de mais ampla oportunidade,
em organização social dotada de maior complexidade, e riqueza de recursos.
Tem-se aí uma micro-ruptura do anterior sistema. Desprende-se um dos seus
papéis, ao encalço de integração diferente: outra estrutura, novas
instituições, outros valores e normas, processos culturais diversificados.
Dilata-se o círculo social. Por isso que o papel divergente se muda mas leva
consigo resquícios inapagáveis da linhagem de origem.
Quando esse processo de diferenciação
se acentua, o sistema perde os talentos emancipados. O aguçamento do fenômeno
tende então a tornar obsoleto o sistema anterior. É que esmaece nas suas
potencialidades. Caminha para o esgotamento, embora a causação exógena — da
opinião pública, por exemplo — possa determinar a sua reorganização intrínseca.
Dá-se então um esforço, por vezes bem sucedido, de mudança do sistema. Se ele
conseguir esta mudança sobreviverá, posto esteja modificado, alterado, com algo
de novo na sua estrutura. As formas de sua participação social mudam-se. É o
caso, por exemplo, do novo papel da mulher, da modernização dos meios de
produção, de alteração dos hábitos de consumo, de alteração de mentalidades
(“Weltanschaungen”) e de interesses, dos tipos de jogo nas bolsas etc. A
integração dessas novas formas, nos papéis remanescentes, é contudo possível;
tal acontece mediante a imposição de novas instituições formais, que são mais adequadas
à nova instituição, que se esboça.
D) A mudança
resulta da diferenciação
A governabilidade ou controle do fenômeno de diferenciação intensamente produzida depende da criação de oportunidades, de mecanismos de produção social: multiplicação de recursos, de padrões axiológicos e normativos adequados, de benefícios motivacionais e materiais, que satisfaçam aos papéis e às coletividades interiores. Para tanto é indispensável o talento criador de novas modalidades de integração social. Recursos diferenciados, outras formas de integração social. Recursos diferenciados, outras formas de produção (econômica, política e cultural), instituições modernizadas há de acolher os subsistemas dentro do sistema, que se expande. Isto implica desconcentração de poderes e de recursos para se alimentarem as novas demandas. Como se vê, a integração crescente dos círculos sociais acarreta esforço fecundo e não dispensável de “democratização” de recursos naturais. Cumpre, ao mesmo tempo em forcejar acertadamente a participação do Povo na produção e na fruição dos benefícios do trabalho social.
A governabilidade ou controle do fenômeno de diferenciação intensamente produzida depende da criação de oportunidades, de mecanismos de produção social: multiplicação de recursos, de padrões axiológicos e normativos adequados, de benefícios motivacionais e materiais, que satisfaçam aos papéis e às coletividades interiores. Para tanto é indispensável o talento criador de novas modalidades de integração social. Recursos diferenciados, outras formas de integração social. Recursos diferenciados, outras formas de produção (econômica, política e cultural), instituições modernizadas há de acolher os subsistemas dentro do sistema, que se expande. Isto implica desconcentração de poderes e de recursos para se alimentarem as novas demandas. Como se vê, a integração crescente dos círculos sociais acarreta esforço fecundo e não dispensável de “democratização” de recursos naturais. Cumpre, ao mesmo tempo em forcejar acertadamente a participação do Povo na produção e na fruição dos benefícios do trabalho social.
Essa perspectiva de expansão do sistema
social, em ritmo de diferenciação, aponta para a necessidade de se diminuírem
os desníveis de fortuna, de sorte, de destino — traçados pela história do
individualismo possessivo, desde as sociedades primitivas marcadas pelo patriarcalismo
até os nossos dias, carregados pela herança desigualizantes dos mais fortes
(mais fortes inclusive no egocentrismo possessivo).
Não se pense aqui em tiradas moralizantes. A análise da ambiguidade encontradiça na dinâmica entre estrutura e processo, levada a cabo nos resultados e exigências da diferenciação sistêmica, indica a necessidade (entre outras medidas necessárias), da diminuição gradativa (e enérgica) das desigualdades sociais que atentam contra o mínimo de expectativas humanas em termos materiais e culturais.
Não se pense aqui em tiradas moralizantes. A análise da ambiguidade encontradiça na dinâmica entre estrutura e processo, levada a cabo nos resultados e exigências da diferenciação sistêmica, indica a necessidade (entre outras medidas necessárias), da diminuição gradativa (e enérgica) das desigualdades sociais que atentam contra o mínimo de expectativas humanas em termos materiais e culturais.
Impõe-se algum sacrifício de vantagens
excessivas do ponto de vista das necessidades de papéis e de coletividades; não
para extingui-las, mas para deslocá-las — alocação de recursos sociais, em
benefício do sistema, para que possa ele subsistir, no tempo e no espaço. Nova
ordem, superior em mais complexa, pede esse tipo de reabsorção de energias
sociais, dos mais variados níveis ou instâncias de formação social, dos mais
variados níveis ou instâncias de formação social.
Resulta essa nova articulação do fenômeno mesmo da mudança social, normal, regular, determinado pelo fenômeno inevitável do alargamento do espaço social.
A intervenção da inteligência, a tomada de consciência da crise formada, a abertura política disposta à crítica de novas formas e de novos valores, em diálogo rítmico com as diferenciações e consequentes alterações das redes estruturais — são posturas responsáveis de maturidade exigidas pela história contemporânea. Serve a intervenção consciente ao menos para diminuir em grau ótimo as consequências do conflito, realidade social que a leitura funcionalista não enxerga com a mesma clareza que a colaboração neomarxista a viu.
Resulta essa nova articulação do fenômeno mesmo da mudança social, normal, regular, determinado pelo fenômeno inevitável do alargamento do espaço social.
A intervenção da inteligência, a tomada de consciência da crise formada, a abertura política disposta à crítica de novas formas e de novos valores, em diálogo rítmico com as diferenciações e consequentes alterações das redes estruturais — são posturas responsáveis de maturidade exigidas pela história contemporânea. Serve a intervenção consciente ao menos para diminuir em grau ótimo as consequências do conflito, realidade social que a leitura funcionalista não enxerga com a mesma clareza que a colaboração neomarxista a viu.
É certo, portanto, que o cálculo do
dissenso tolerável é cálculo da capacidade de resistência do tecido social —
papéis-coletividades, estrutura-processo, valores-normas, sistemas e
subsistemas, ação intrínseca e ação extrínseca. Montada a equação (ou
inequação) sistêmica de oportunidades funcionais da sociedade, as soluções
haverão de dar-se em três variáveis, simultâneas e relevantes: segurança para
as liberdades fundamentais, expansão democrática e progresso social com metas
nítidas e métodos explícitos (ética de responsabilidade).
São pressupostos e, ao mesmo tempo,
programa de atividade incessante — porque contínua é a diferenciação social —
de reestruturação social (organizada e consciente). Mudança e recuperação de
energias, rupturas constantes e remodelação de formas integrativas — novas,
diferenciadas e não necessariamente cercadas pela histeria destrutiva e medrosa
do conservantismo. Novos modelos não significam, sempre, rupturas totais e
início “ab ovo”, mas em readaptações profundas: crise de identidade, mas
capacitação para conservar o mínimo preservável exigido pelo não-mutilamento da
feição histórica de um Povo.
Modelo normativo novo é renovação de
modelo, com a adoção de novas formas integrativas justamente em função das
aquisições históricas. Vamos a um exemplo: crescimento em igualdades não
destrói a conquista das liberdades fundamentais (entre as quais a liberdade omnímoda
de iniciativa privada e de ganhos individuais praticamente ilimitados não são
elementos imprescindíveis). Se não forem encontradas formas intermediárias,
energicamente eficazes, (eficientes e capazes), a subida de temperatura dos
conflitos e a generalização da crise poderão determinar um “salto” (“natura facit saltus”!...) para uma
estrutura social quase que inteiramente diferente — justamente aquela que mais
dói aos reacionários e aos arraigados espíritos conservadores.
Lembrança histórica é o das explosões populares. Levaram a dolorosos fechamentos sociais de esquerda, à ablação de conquistas democráticas e de muitas liberdades fundamentais. Ora, em todo o mundo assistimos a cenas desse tipo, mesmo em povos dos mais tradicionais e dominados por autocrismo conservador (China antes de 1.949, Cuba, alguns países árabes).
Lembrança histórica é o das explosões populares. Levaram a dolorosos fechamentos sociais de esquerda, à ablação de conquistas democráticas e de muitas liberdades fundamentais. Ora, em todo o mundo assistimos a cenas desse tipo, mesmo em povos dos mais tradicionais e dominados por autocrismo conservador (China antes de 1.949, Cuba, alguns países árabes).
A nossa Constituição Federal de 1988,
após a diferenciação eleitoral de 1.985 (inclusive com algo da variável
independente do carisma de Tancredo Neves), tinha de conter valores globais
diferenciados dos anteriores, mormente no que diz respeito à participação
popular na vivência democrática e, sobretudo em normas decisivas em direção ao
crescimento social. Havia de ser assim em termos de direito ao emprego
produtivo, à subsistência real, à assistência médico-odontológica-hospitalar de
carentes, ao acesso efetivo à educação para todos os economicamente incapazes,
ao acesso à criatividade pessoal.
Essa guinada importaria em nova direção
da economia, que não podia deixar de ser planificada a curto, médio e longo
prazo com estratégias assumidas de realizabilidade efetiva, O planejamento
havia de ser claramente exposto e discutido Os mais privilegiados tinham, já
então, de ser persuadidos a fazerem concessões generosas.
Cumpre sobrevirem as técnicas de
execução eficiente.
Numa palavra, há que submeter-se a
revisão profunda o atual capitalismo brasileiro. A não ser assim, o sistema
perde capacidade de resposta ao estímulo da diferenciação — endógenas e
exógenas. É inevitável a sobrecarga na interioridade do sistema. Eclode na
certa o conflito, ao menos na forma de ressentimento. Pode ocorrer o pior, que
é o esgarçamento continuado do sistema por perda do ensejo de adaptação eficaz.
Daí a importância da noção de conflito.
III
– TEORIA DO CONFLITO SOCIAL
A)
Preâmbulo
Aos poucos vai diminuindo o
abismo, ao menos aparente, que separava funcionalistas e marxistas. Parece que
hoje assistimos a certo idílio entre as duas interpretações da realidade
sociológica: aos marxistas de hoje no Ocidente os mais conservadores adoçam o
termo com um “neo”; os neomarxistas correspondem: já não é tão crua a acusação
de conservador a muitos sociólogos funcionalistas: são apenas
“neofuncionalistas”. A observação mostra uma pequena diminuição do grau de
relatividade do conhecimento sociológico: são dados passos eficazes de
aproximação em direção a realidade ontológica, ao material complexo do trançado
da vida em comum, filtrada pela seletividade do imaginário móvel, no qual
todavia o conhecimento mais objetivo não se resigna ao afogamento, ao
desespero, ao ceticismo. A sociologia do direito continua a trabalhar
entrementes com a da dogmática jurídica. Pesquisa os elementos disfuncionais do
direito, como fato social altamente sujeito às influências subtis da política:
as distorções da força, por trás da aparência do justo. Um dos compartimentos
dessa investigação é a crítica à teoria do direito. No que esta minimiza
importante componente da realidade (a complexidade do conflito), há que lhe
ressaltar a omissão, a indiferença ao social. O resultado jurídico-sistemático
advém do esforço vencedor bem sucedido, que geralmente ignora o conflito de
classes (dentro delas e entre elas). Isto ocorre mormente quando as classes
sociais foram hierarquizadas durante o perpassar da História, num e noutro
agrupamento humano, no tempo e no espaço; porque é dessa inequação ou injustiça
material que as sistemáticas brotaram, de modo especial no Ocidente, depois das
revoluções industriais.
A vivência estatal, como também a experiência social incessante, não se esgota no conteúdo extraível do sistema jurídico. A maioria mesma dos indivíduos ignora a produção oficial de normas de convivência. É obscura a legitimidade de muita lei. Cabe também à sociologia do direito efetuar constatações de ausência de correspondência entre incidência e aplicação das normas jurídicas – entre “vigência” e “eficácia”, como soem expressar-se sociólogos e filósofos do direito.
A vivência estatal, como também a experiência social incessante, não se esgota no conteúdo extraível do sistema jurídico. A maioria mesma dos indivíduos ignora a produção oficial de normas de convivência. É obscura a legitimidade de muita lei. Cabe também à sociologia do direito efetuar constatações de ausência de correspondência entre incidência e aplicação das normas jurídicas – entre “vigência” e “eficácia”, como soem expressar-se sociólogos e filósofos do direito.
Com maioria de razão toca-lhe
examinar a legitimidade da regra jurídica: se a expressão dela, no seu
conteúdo, atende à necessidade do equilíbrio do corpo social. Este é campo
próprio da política científica, uma especialização da sociologia. Fundada nesse
conhecimento, a ação política erra menos.
Cumpre testar os confrontos
valorativos e os procedimentos postos a serviço da sociologia jurídica. Muitos
deles são energicamente efetivos, mas não se formalizaram na dogmática
jurídica. Constituem uma espécie de “lógica paraestatal do direito” . Os
“direitos humanos” são quase sempre direitos a se exercitarem em face do
Estado. Ora, o próprio Estado produz as normas oficiais do direito. O Estado
mesmo aplica o direito por ele objetivado, para realizá-lo empiricamente —
procedimento oficial de alcançar a “eficácia” da ordem jurídica. Indispensável
logo, e ao mesmo tempo fecunda, é a crítica para que não se perca a consciência
de crises. Estas se preparam no interior dos sistemas sociais (subsistemas) e
ameaçam a própria estrutura do sistema global. Não é a crítica um
empreendimento iconoclasta. Não visa à demolição do direito como fato. Sua
função há de ser a renovada tomada de consciência de disfunções, de abertura de
alternativas. Há de apontar soluções para as crises que venham abater-se sobre
o direito vigente em decorrência da irracionalidade dos padrões de dominação.
Esta é de institucionalização que se impôs. E resiste a diferenciações, a
mudanças, ao reequilíbrio das relações políticas e econômicas.
Acentua Ralf Gustav Dahrendorff[10], ele um
não neomarxista, ser este um fenômeno destrutivo: tentar ignorarem-se os
conflitos. Corresponde, em nível sociológico, ao fato psicológico de se
reprimirem os conflitos emocionais individuais. Geram neuroses e explosões nos
papéis e nas coletividades. Um dos germes da relatividade do conhecimento
sociológico consiste precisamente em a força das determinantes exógenas
canalizarem parte da própria seletividade dos temas que se levam à tona da
consciência. Mais árduo então o evitamento dos conflitos e mais lento o
progresso simplesmente “funcional” dos sistemas sociais. Esperável, pois, claro
está, a permanência conservantista de métodos, paradigmas, classificações e
“tipos-ideais”. Bem, pois o perigo é a angústia de um “eterno retorno”: refugar
as ideias e “soluções” encontradas para as diferenciações, sufocar os ímpetos
de mudanças sociais.
Nos centros de estudo dos países industrialmente avançados (em que indivíduos e grupos alcançaram grau elevado de bem-estar), a preferência é pela versão funcionalista. Acentua-se o elemento consensual com perda efetiva de visão de outro elemento não menos relevante e poderoso da realidade: a dinâmica do conflito. Não se conhece na História nenhum círculo social isento de conflito, de tal jeito que este não se pode interpretar como uma anomalia da vida. É, antes, como um fato natural, propulsor intrínseco, dimensão conatural da vida em comum, qualquer que seja o grupo humano de que se trate.
Nos centros de estudo dos países industrialmente avançados (em que indivíduos e grupos alcançaram grau elevado de bem-estar), a preferência é pela versão funcionalista. Acentua-se o elemento consensual com perda efetiva de visão de outro elemento não menos relevante e poderoso da realidade: a dinâmica do conflito. Não se conhece na História nenhum círculo social isento de conflito, de tal jeito que este não se pode interpretar como uma anomalia da vida. É, antes, como um fato natural, propulsor intrínseco, dimensão conatural da vida em comum, qualquer que seja o grupo humano de que se trate.
B) Tipos de Conflito
Cumpre destacar os
determinantes estruturais do conflito. Vem a propósito salientar como é gerado
no íntimo da sociedade. Quadra analisar as suas dimensões, as suas espécies e a
sua forma de canalização (com solução ou com pseudosolução).
Conflito, em sentido amplo,
é toda oposição entre os elementos de um grupo sob a forma de luta, ainda que
mais ou menos inconsciente. Ele é social quando os elementos em luta são grupos
da sociedade (“coletividades”, na linguagem de T. Parsons). Agora, conflito
social em sentido estrito é aquele gerado dentro de uma sociedade juridicamente
organizada, em cujos polos estão categorias sociais verticalmente
hierarquizadas, em luta. Conflito em sentido estrito há também entre sociedades
internacionais.
No conflito propriamente
dito a luta não ocorre entre iguais postos em linha horizontal. Tampouco quando
os grupos contendores são entre si relacionados por continência (digamos, por
exemplo, o Brasil com o FMI). O problema do conflito social em sentido estrito
surge quando entre os grupos se configura a dominação hierárquica, numa relação
fática de subordinação. Exemplos: pais – filhos, empregados – patrões, governo
– oposição (nos governos autoritários). Nos anos 80 temos EUA – Nicarágua, URSS
– Afeganistão. No novo milênio temos EUA- Alqaeda, EUA-Iraque. É difícil o conceito
analítico, descritivo, crítico, objetivo — de “classe”. É fundamental, para a
análise e classificação dos conflitos, evitarem-se as tiradas ideologizantes,
as generalizações estéreis, os unilateralismos simplistas de divisão de
classes. Tal é o caso, por exemplo, de chavões acríticos do tipo “o motor da
história é a luta de classes”.
Nos conflitos sociais em sentido estrito o próprio conceito de classe é relativo. Há que se trabalhar com ele em tomada de consciência de se estar lidando com um “tipo ideal”. Isto, posto seja mais ou menos denso de alguns elementos característicos, não esgota todo o potencial dos conflitos historicamente importantes e decisivos. É que empiricamente nem todas as sociedades apresentam os mesmos tipos de conflito. Nem pesa em todas elas, para a dinâmica das mudanças sociais, conflitos de mesma natureza.
Estruturas diferentes podem dar surgimento a conflitos diversamente importantes. Todavia, os conflitos mais “gerais”, mais encontradiços, estatisticamente mais determinantes, soem ter o conteúdo de relações de poder e relações de produção. Ou seja, os conflitos mais comuns são os do subsistema político e os do subsistema econômico. Na Política e na Economia é onde encontramos as relações mais conflituosas.
Nos conflitos sociais em sentido estrito o próprio conceito de classe é relativo. Há que se trabalhar com ele em tomada de consciência de se estar lidando com um “tipo ideal”. Isto, posto seja mais ou menos denso de alguns elementos característicos, não esgota todo o potencial dos conflitos historicamente importantes e decisivos. É que empiricamente nem todas as sociedades apresentam os mesmos tipos de conflito. Nem pesa em todas elas, para a dinâmica das mudanças sociais, conflitos de mesma natureza.
Estruturas diferentes podem dar surgimento a conflitos diversamente importantes. Todavia, os conflitos mais “gerais”, mais encontradiços, estatisticamente mais determinantes, soem ter o conteúdo de relações de poder e relações de produção. Ou seja, os conflitos mais comuns são os do subsistema político e os do subsistema econômico. Na Política e na Economia é onde encontramos as relações mais conflituosas.
Diante do fenômeno, duas
leituras do mesmo fato contrapõem-se em paradigmas de interpretação: o
funcionalismo frisa o aspecto consensual, o marxismo o conteúdo da fricção
social. A seletividade preferencial do elemento consensual (pacto, integração)
é pelo menos tão velha quanto Roussel.
IV
— RESUMO E BREVES CONCLUSÕES
Regras sociológicas relevantes. No
correr da história verifica-se que o despotismo vai a pouco e pouco diminuindo.
É, pois, verdadeira a tese de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda[11] a respeito da “diminuição
do quantum despótico”, transitório
por causa do outro princípio — o da estabilidade crescente[12]. Também o aumento do
conhecimento científico desenvolve a estabilidade porque a crença, se for só
simbólica, frequentemente causa temores infundados e assim desestabiliza.
Funcionam igualmente outras duas leis: a da integração e a da dilatação dos círculos sociais; com
elas a harmonia ou estabilidade prospera mais rapidamente. É coisa diferente da
extinção dos conflitos; seguem estes na sua própria existência “enquanto o
homem for homem”. Segundo o funcionalismo tais conflitos resolvem-se
por força da própria natureza. Já o marxismo traça acentuadamente o
caráter antagônico da convivência.
Governabilidade e conflitos. O Estado é criação do Povo (sociedade), não o “senhor” dele. O
pensamento e o sentimento, livres ambos, precisam de regras jurídicas a
garantirem as liberdades fundamentais (como vigem hoje na Constituição Federal
de 1988). Somente com elas ocorre a governabilidade “sustentável”, a saber, suportável pelo modo de ser da natureza
humana. Para a realização dela muitos conflitos surgem; entre os processos
sociais de adaptação mais diretamente ligados à mitigação dos conflitos talvez
sejam a religião, a moral, as artes e o Direito
cuja característica maior consiste no fato de a incidência das suas normas
estar fora de dependência da vontade daqueles a que se dirigem, assim como
porque vige acima do direito estatal o Direito das Gentes ou direito
supraestatal.
A lentidão nas mudanças sociais é natural. A “lei da inércia” provoca a lentidão das mudanças sociais, de
modo que só em processus, mui
paulatinamente se logra algum grau de equilíbrio
no interior dos Povos e nas relações entre os Povos — a harmonia, a
paz. De outro lado, as individualidades
de cada povo variam consideravelmente; esta realidade leva às diferenciações
temporais no tocante ao modo de as mudanças de efetivarem numa e noutra parte
da Terra em tempos distintos. Seria errônea, portanto, a generalização feita
sem atenção cuidadosa e prolongada aos fatos empíricos. Uma vez mais se
verifica a importância fundamental do método indutivo experimental ou
científico. Foi ele detidamente estudado
e exposto pelo gênio brasileiro de Pontes de Miranda.
Injustiça
social, violência e paz. Parece certo, contudo,
que os excessos de diferença em poder político e econômico geram atritos e
conflitos sem conta — uns poucos cidadãos repletos de poder e com muito
dinheiro, outros com quase nada (geralmente a maioria das pessoas pobres). É
previsível o aumento de criminalidade nas classes assim mais empobrecidas da
população. O Brasil, por exemplo, figura entre os onze países de mais
criminalidade em todo o mundo, como se vê nas estatísticas[13]. Também este é um indício
de que, longe de visões ideológicas, menos desigualdade traz mais paz — paz de
espírito para as individualidades e
paz mais geral para as sociedades (Povos).
Negar a existência de conflitos sociais,
é tentar afastar das ideias e dos sentimentos a evidência de fatos
empiricamente muito conhecidos, como se sabe em psicologia. Trata-se, logo, de
erro de julgamento perigoso para todo pesquisador responsável. Ora bem, os
conflitos apresentam-se em elevado grau de relatividade¸
de modo que podem eles ser reduzidos com medidas que, em outros lugares e
tempos, terão quiçá os efeitos contrários. Uma vez mais: para o pensador
responsável é importante educar-se com elementos de ciência positiva em que filosofar e poetar sejam elementos ou dados
a afastarem-se do conhecimento — o que há de mister é conhecimento mais rigoroso, mais exato, mais preciso.
Conservadores
e reacionários. O crescimento de todas e todos em igualdade, o esforço em diminuir
ao máximo as desigualdades, são ideias que, para os conservadores, e mais ainda
para os retrógrados ou reacionários, parecem “assunto de comunista”. São
pessoas tomadas pelo medo de perdas, ou tomadas de ódio por quem pretende
mudanças no prol de outrem mais desguarnecido seja pela natureza seja pela
degradação socialmente imposta pelos mais poderosos e mais ricos.
Qualidade
de vida. Por fim temos de dizer que o Estado, ou
o Povo, que não cuidar de corajosamente aplicar estruturas jurídicas
conducentes à diminuição das desigualdades sociais, será um Povo com problemas
continuados em mal-estar público. Faltar-lhe-ão
paz, estabilidade, boa qualidade de vida.
*-*-*
Bibliografia e
referências
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Democracia,
liberdade, igualdade: os três caminhos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979.
_______. Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed., 4 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972.
-*-*
https://portal.fgv.br/noticias/pobreza-e-desigualdade-aumentaram-ultimos-4-anos-brasil-revela-estudo
*-*
*-*-*
Finis coronat opus
*-*
Mozar
Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas
de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), desembargador aposentado
(Tribunal de Justiça de São Paulo), professor aposentado de direito
(Universidade Católica de Santos, São Paulo).
[5] http://www.iscsp.utl.pt/~cepp/indexfro1.php3?http://www.iscsp.utl.pt/~cepp/ideologias/neomarxismo.htm
[6] São três os caminhos a
seguir pelo Povo buscador de “qualidade de vida” (Democracia, liberdade e
igualdade; leia-se PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Democracia,
liberdade, igualdade: os três caminhos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979. Um
jornalista brasileiro reconhecido como competente conta com artigo publicado no
jornal Folha de São Paulo a respeito da insuficiência da só democracia, a
despeito do seu valor. Está em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/199278-democracia-e-ideal-mas-nao-basta.shtml
[12] PONTES
DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Sistema
de ciência positiva do direito. 2ª ed., 4 tomos. Rio de Janeiro:
Borsoi, 1972; tomo I, página 203.
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